Ser LGBT na República Dominicana – parte 2

Por Vitor Angelo

A República Dominicana recebeu mais de 5 milhões de turistas em 2014, e tem um plano de, até 2020, receber mais de 10 milhões. Este investimento no setor também é inclusiva e pensada para os LGBTs. Desde os anos 1990, no Brasil, o turismo foi uma porta de entrada fundamental para a tolerância e a aceitação de homossexuais e transexuais. A Parada do Orgulho Gay de São Paulo é um exemplo claro. Na última pesquisa do Observatório de Turismo e Evento, do SPTuris, órgão municipal, apontou que, em 2012, para o evento, 40% dos participantes eram de fora da região metropolitana e cada um dos turistas LGBT injetou na cidade quase R$ 1.300,00 por um período de 3 dias. Não existe poder público minimamente inteligente que não queira essa bolada. A realidade do chamado “pink money” é a força da grana que, neste caso, constrói uma bela ponte entre a diversidade e o mercado de trabalho. Se, em São Paulo, assim como na capital da República Dominicana, Santo Domingo, esta situação é um pouco mais confortável (claro que dentro de uma cultura ainda muito homotransfóbica), o interior do país caribenho e suas províncias começam a sentir o impacto que o turismo voltado para esta população pode causar.

Salve simpatia: um dos pontos altos que os turistas mais gostam da República Dominicana é o clima amigável dos dominicanos (Vitor Angelo)
Salve simpatia: um dos pontos altos que os turistas mais gostam da República Dominicana é o clima amigável dos dominicanos (Vitor Angelo)

La Vega é uma província no interior do país. Com uma natureza impressionante, é um lugar muito procurado pelos esportes radicais como rafting e parapente. Não existe boate ou bar gay em Jarabacoa ou em outra cidade de La Vega. “Nos reunimos nas casas um dos outros, é assim que nós socializamos”, conta, para a Folha, Noel Davi Guerrero Sanchez, 20. “Fazemos festas, trocamos experiências, conselhos, livros, bebemos, nos divertimos”, revela o jovem homossexual, fazendo lembrar os coletivos de jovens LGBT que, hoje no Brasil, muitas vezes são chamados de família, como a Família Stronger. Porém, diferente do que acontece aqui, lá foi uma solução para um ambiente sem opções de socialização nas questões de orientação sexual e identidade de gênero.

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“A única boate gay mais próxima fica em Santiago (província vizinha), mas não me agrada”, diz Antonia Maria Grujon, 19, lésbica. “Lá [Mônaco, o nome do local] não aceitava transexuais. A gente se revoltou, protestou e agora é permitido a entrada de trans”, conta com orgulho, mostrando a amplificação do sentido político dessas socializações.

Tanto Noel e Antonia, assim como os amigos Francis e Macarena fazem parte, de forma direta ou indireta, de um projeto das ONGs Coin e ProActividad, com apoio da rede de hotéis Marriott, entre outras. “Tolerância Através do Turismo”, lançado no primeiro semestre deste ano, capacita LGBT para funções de hotelaria, gastronomia, economia, para receber homossexuais e transgêneros de outros países e, em contrapartida, também prestar ajuda às comunidades gays e trans locais.

Rancho LGBT na província de La Vega, capacitado pelo projeto "Tolerância Através do Turismo" (Vitor Angelo)
Rancho LGBT na província de La Vega, capacitado pelo projeto “Tolerância Através do Turismo” (Vitor Angelo)

O projeto tem um apoio fundamental: o do embaixador americano na República Dominicana, James “Wally” Brewster e seu marido Bob Satawake. O casal atua na luta pelos direitos humanos na ilha e se coloca frontalmente em oposição quando alguma ação enrustida de homofobia institucional tenta sair do armário. Foi assim no começo do ano, quando o embaixador criticou um ministro do governo dominicano que disse que não teria interesse em investir no turismo para o segmento LGBT. Brewster é um dos apoiadores do “Tolerância Através do Turismo” e atua como uma espécie de embaixador informal dos LGBT no Caribe.

Embaixada dos Estados Unidos, em Santo Domingo, com a bandeira do arco-íris (Divulgação)
Embaixada dos Estados Unidos, em Santo Domingo, dando bandeira (Divulgação)

Se Brewster é o símbolo da bee anglo-saxã, rica, branca, exercendo sua cidadania e com força para confrontar as instituições dominicanas a favor dos direitos dos LGBT, os homossexuais e transgêneros da República Dominicana que vivem nas províncias estão do outro lado desta corda social. Entretanto, atuam de forma igualmente importante.

Gays de áreas como Juan Dolio, na província de San Pedro de Macorís e da de La Romana contam sobre a homofobia nossa de cada dia para além das areias brancas e do mar paradisíaco da praia Hemingway, frequentado pelos LGBT da classe média alta de Santo Domingo. “A homofobia é terrível, tem mortes, brutalidades, aqui paga-se pelo que não se faz, julga-se só pela aparência”, relata para o Blogay, Aleksander Perez, 20. Ele revela que nunca foi vítima de homofobia, mas conhece inúmeros casos.

Integrantes da ONG "Este Amor" dando muita pinta  (Vitor Angelo)
Integrantes da ONG “Este Amor” dando muita pinta (Vitor Angelo)

“O que me fez escapar de sofrer preconceito no trabalho, foi que logo fui trabalhar no ‘Este Amor’ (importante ONG LGBT da região leste do país que cuida de direitos homossexuais e transgêneros, e sexo seguro), mas a homofobia por aqui é grande”, diz Hector David Santana Nuñez, 22. Ele confidencia que teve sorte de ter uma família tolerante e conta rindo: “eles aceitaram logo de cara e meu pai sempre me pergunta quando vou apresentar-lhe o noivo”.

Um novo começo de era para os LGBT das províncias da República Dominicana (Vitor Angelo)
Um novo começo de era para os LGBT das províncias da República Dominicana (Vitor Angelo)

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