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Gilberto Gil, 70

Por Vitor Angelo
Gilberto Gil (Mastrangelo Reino/Folhapress)

Uma vez tropicalista, sempre tropicalista. Gilberto Gil completa 70 anos nesta terça-feira, 26, e com a mesma verve dos anos 60 ele fez elucidações para a TV Folha sobre o bem que a maconha fez para a bossa nova e o reggae ou o aperto de mão entre Lula e Maluf.

Esta capacidade de ir além da música é uma das conquistas do tropicalismo que tirou a música popular de seu eixo propriamente musical e a levou ao do pensamento. Não que a música não fizesse isto antes dos jovens baianos e paulistas, mas com eles se tornou muito explícito. A música popular como forma de pensar o mundo.

Considerado por muitos como o primeiro movimento pós-moderno brasileiro, os próprios participantes do tropicalismo localizam que foi muito mais uma renovação comportamental que musical.

E como mudança de comportamento estava a ruptura com o ancestral machismo brasileiro. A extravagância dos cabelos compridos e das roupas coloridas, mais do que uma cópia de um modelo internacional hippie, também era uma forma de protesto ao provincianismo do país.

Mesmo depois dos anos históricos do tropicalismo, a questão comportamental esteve forte em muitas atitudes e canções de Gil. É claro que as questões da orientação sexual, da identidade de gênero, da androgenia não estariam de fora deste cardápio

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Em “Pai e Mãe”, do álbum Refazenda (1974), está o discurso sobre uma maior afetividade entre os homens, independente de sua orientação sexual. Gil faz soar com certa antecedência o que o ator Alexandre Nero pediu recentemente, uma maior homoafetividade entre os heterossexuais.

Gil mesmo diz que “passou muito tempo aprendendo a beijar outros homens” como beija o seu pai. O baiano percebe o quanto as estruturas de comportamento do macho são meras construções, por isto o aprendizado de uma relação mais carinhosa com outros homens.

Uma curiosidade: Gil compôs esta música no dia de seu aniversário de 33 anos. Então esta reinvindicação, que ainda não foi alcançada em sua totalidade na sociedade brasileira, tem mais de 35 anos.

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Já “Super-Homem – a Canção”, do álbum Realce (1979), é um manifesto para as mulheres, da afirmação do feminino. É também uma reverência e uma demonstração da força do elemento feminino, repudiado em nossa sociedade misógina e homofóbica e visto por ela como fraco e indefeso.

Os homossexuais são classificados, até entre eles, em quanto mais femininos pior, pois assim estariam mais expostos ao elemento feminino, tido como inferior no mundo masculino. Gil responde com: “Que nada / Minha porção mulher, que até então se resguardara / É a porção melhor que trago em mim agora”. Este é um novo homem que surge, um super-homem que a assimilação do feminino é vital.

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Com “O Veado”, do álbum Extra (1983), o assunto fica explícito.  Para além da preocupação politicamente correta que ainda não existia na época, Gil faz o trabalho de transformar algo visto como negativo (o termo veado) – mesmo entre os homossexuais – em totalmente positivo. Algo com garbo e poesia.

O músico explica a canção no livro ‘Gilberto Gil: Todas as Letras’, organizado por Carlos Rennó.

“Naquele momento o tema estava muito associado a nós, artistas que fazíamos a defesa da estética do androginismo – incorporando inclusive a ornamentália feminina em princípio proibida ao homem mas enfim assumida por nossa geração como forma de afirmação de autonomia de ideia, proposta, gosto, de contestação do conservadorismo – e que nos colocávamos contra a histórica perseguição policial e a matança de homossexuais no Rio, em São Paulo, nas grandes cidades, como resultado de uma intolerância social em relação a eles. Por tudo isso, ‘O Veado’ é uma música ideológica”. Parece que Gil fez a canção para os dias de hoje.

E continua: “É também a expressão da necessidade que eu sentia de aproximação e compreensão da homossexualidade, e de participação nela. Não sou homossexual (poderia ser, mas não sou), não foi algo necessário na minha vida; mas da veadagem eu faço questão: é o que eu tenho reivindicado sempre para mim. Nesse aspecto, a música é aquilo que o Haroldo de Campos falou muito bem: o ‘veado viável’. É como nós podemos ser veados.

O interessante é que a letra faz a defesa disso com isso, quer dizer, com uma elaboração que tem a ver com a veadagem mesmo (e que, desse modo, participa dela): com a costura, o bordado, o brocado, o barroco. O encadeamento sonoro é melífluo; as palavras brotam com volúpia, com tempero, condimento, pimenta. E com garbo – de Greta Garbo, ela mesma uma figura andrógina, uma das grandes deusas da veadagem planetária (uma vez eu fiquei hospedado numa casa em Estocolmo onde ela tinha morado).

Se você é artista, tem que aprender a ser veado. É o meu caso: eu sou aprendiz.”

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