Por Vivian Whiteman Muniz
Primeiro quero esclarecer que não me sinto escrevendo aqui como quem mora de favor. Vitor Angelo, Vitor Hugo, vulgo Vitória, essa bi tão cheia de energia, é minha amigue há tempos, “de modos” que a visita não é forçada e me deixa muito à vontade.
Poderia dizer mil coisas, mas quero bater um papo reto aqui com mulheres que estão numa situação específica: aquelas que são ou em breve serão, entre tantas outras coisas, mães.
As mães foram durante muito tempo colocadas à margem do feminismo, por uma série de motivos que eu vou discutir. Por tantos outros motivos e também como reação, muitas mães se afastaram do feminismo ou passaram a rejeitá-lo.
Isso tem mudado muito nos últimos anos e é necessário que o processo continue. Quando as mães se afastam do feminismo e quando o feminismo afasta as mães perdem todas as mulheres. E, pra ser bem realista, perde todo mundo.
Quando virei mãe de uma menina, percebi que só poderia defender minha filha defendendo todas as meninas. E todos os meninos também. Que a não ser que eu virasse milionária e me isolasse numa ilha o mundo sempre daria um jeito de me alcançar. Ou seja, mais do que dar boa comida, pensar numa boa escola, manter uma casa confortável, uma educação responsável e amorosa, é preciso pensar grande, pensar pelo menos além do portão, do bairro, da cidade.
Mas o que é defender? É construir um bunker? É ter dinheiro, muito dinheiro, dinheiro para bancar um personal apartheid social? Essa é a fórmula atual, que, mesmo quando funciona (para muito poucos), é sempre perversa e geradora de miséria.
Defender, acho eu, é educar. É trabalhar pela educação numa visão bem ampla do termo. Escolas também, mas não só.
Cada mãe dentro de cada casa é um exército de professores. Pode ensinar ética, filosofia, sociologia. Pode educar para o respeito, pode explicar que os direitos iguais não são incompatíveis com a aceitação das diferenças. Pode ajudar a perpetuar tudo o que há de ruim também, às vezes sem nem perceber.
Cada conversa sincera na sala, na beira da cama, no ônibus, na mesa, no carro, cada palavra bem escolhida, toda rotina de repetir valores, de viver como exemplo, tudo isso pode ser um escudo contra a chuva de informações podres, é um guarda-chuva resistente a discursos de ódio. Cada omissão, uma rotina de mimos exagerados, falta de limite e defesa de comportamentos indefensáveis pode ajudar a criar mais um idiota social.
Escrevendo aqui na casa do Vitor não poderia deixar de lembrar da coragem de mulheres mães, tias e avós dos meus amigos gays. Algumas delas eu conheço, sobre outras ouvi muitas histórias. De como elas brigaram com os filhos e pelos filhos, pela aceitação da verdade deles, muitas vezes com ajuda dos maridos, tantas outras sozinhas, contra a família preconceituosa, contra os comentários ignorantes, contra a omissão da escola, contra a hipocrisia geral.
De coragem precisamos todas.
Pra dar a real pros maridos, companheiros e homens da família sobre o papel deles na formação das crianças. De como o machismo, o sexismo, a homofobia estão em ações, em palavras, e depreciações e comentários humilhantes feitos desde muito cedo.
Pra não julgar com raiva e injustiça, pra não fazer da maternidade um campeonato de popularidade com categorias como parto mais perfeito, melhor escolinha para crianças-deuses e amamentação nota 10. Pra informar e ajudar sem destruir.
Pra não encher o saco nem achar que somos melhores ou mais importantes do que as mulheres que escolheram não viver a maternidade. Não somos, não se iludam. Respeito às experiências de vida de cada uma, sem isso não temos nada.
Pra perceber o quanto muitas de nós somos privilegiadas e podemos falar de tantas coisas enquanto outras ainda lutam contra a pobreza, contra o racismo, para que os filhos não sejam assassinados só porque a polícia atira pra matar como bem entende nas periferias do Brasil e sai ilesa. Pra escutar o que elas dizem sobre violência, sobre segregação, sobre tirania entre mulheres em posições sociais diferentes, pra apoiar o que elas pedem e não o que achamos que elas precisam. Pra não ser aquela mãe que se sente mais segura quando o bairro mais pobre vive com medo, sob chuva de bala, pra não ser a mãe que se cala diante da desgraça injusta e cruel dos filhos das outras.
Pra saber que só do atrito, do exame aberto das diferenças entre ricas, pobres, brancas, negras, héteros, gays, trans, mulheres com e sem filhos, moradoras dos centros e das periferias, que só desse confronto de diferenças brutais poderá nascer uma união mais sincera, mais forte e mais consciente.
O dia do protesto passa, a capa de jornal passa, a campanha passa, os filhos crescem, o mundo gira e tem sempre o dia seguinte. #agoraéquesãoelas.
Vivian Whiteman Muniz é jornalista, foi editora de moda da Folha, é mãe de Madalena, é muito amiga, é treta, é noix.