Uma pequena pérola brilha em preto e branco, de forma intensa, no centro da cidade de São Paulo. Desde sábado, a exposição “Alair Gomes – Percursos”, que fica até o dia 4 de outubro na Caixa Cultural, na praça da Sé, joga luz não só para questões contemporâneas como o voyeurismo e o desejo, a releitura do homoerotismo da Grécia clássica como o próprio status da fotografia.
Alair Gomes, que teve seu trabalho reconhecido depois de sua morte, em 1992, utiliza as contradições em seu jogo dialético de descobrir a essência da fotografia, o denominador comum de uma imagem e isto só é possível de termos entendimento pela excelente curadoria e montagem da exposição feita por Eder Chiodetto.
Logo na entrada da exposição temos as fotos até então inéditas feitas por Alair na Praça da República, em São Paulo. É a antítese do que estamos acostumados a conhecer do que seria as fotos de Gomes. Não estamos na região das praias, nem dos corpos seminus, apreciados à distância por uma teleobjetiva, como nos seu conhecidíssimo trabalho conhecido como a série fotográfica Sonatines, Four Feet. Aqui, ele se aproxima de seus objetos como identificação, não como algo que deseja. Ele encara as pessoas com sua câmera, que sabem que estão sendo encaradas e muitas vezes olham direto na lente, como reflexo. Elas estão razoavelmente vestidas, mas aí entra outro um componente que o fotografo aprendeu com Antiguidade Clássica e seu trabalho de fotografar as estátuas greco-romanas, conseguir extrair erotismo do que vê.
Ele entende que o erotismo é um componente presente no êxtase e ora trabalha no campo da sexualidade ora da religiosidade as confrontando no que existe de seus opostos e em suas semelhanças como se fosse a síntese de uma Santa Teresa D’Ávila e um Marquês de Sade. Um dos pulos do gato da exposição é colocar as Sonatines, de caráter mais terreno e físico com seus Beach Triptychs que dialoga, à sua maneira (espiritual em carne), com os trípticos religiosos da arte renascentista.
Existe também a questão da narrativa, ou movimento, como algo que se dá no tempo, e aquilo que é estático, está hibernado de calor carioca e se dá no espaço. O que era um problema para a pintura, a questão do movimento narrativo, para Alair é solução, está ali o que ele considera o específico da fotografia, que a diferencia de outras artes visuais e podemos perceber isto de forma clara nas Sonatines que contam uma história entre uma foto e outra. Mas isto não invalida os closes estáticos e explícitos de pênis e ânus que encontramos em Symphony of Erotic Icons, ali ele apreende aquilo que se dá no tempo (o sexo), como algo no espaço (o desejo voyeur).
Os jogos em contradição que Alair cria em sua intensa experiência fotográfica também diz muito de nós, da nossa vontade inerente de desejar, da solidão do olhar que deseja, da distância (muitas vezes abissal, muitas vezes não) imaginada entre o que te erotiza e o prazer e mais do que tudo: que aquilo que alimenta nosso desejo está muito mais em nós ( a tal erotização) do que no que é desejado.