Desde que foi anunciada, na tarde de sexta-feira, 26, que o casamento igualitário estava aprovado nos Estados Unidos, uma avalanche de arco-íris invadiu as redes sociais no Brasil. O Facebook criou um dispositivo para que o avatar ganhasse as cores do movimento LGBT, e o efeito cascata tomou conta, a cada minuto um amigo estava mais colorido.
Fui checar com meus amigos americanos e eram pouquíssimos que estavam usando este recurso na rede social, que no Brasil ganhou adeptos de todas as correntes de identidade de gênero e orientação sexual. “Que lindo, meus amigos héteros apoiando a nossa causa, só posso agradecer”, escreveu uma amiga minha em sua timeline.
Porém, e sempre tem um babado no meio, algumas pessoas começaram a fazer críticas chamando essa atitude de colonizada, imperialista. Usar filtro proposto pelo Facebook, então… E, de certa forma, eles poderiam ter suas razões. Quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo foi equiparado ao dos heterossexuais, em 2011, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), lembro de minha amiga, a jornalista Nina Lemos, passar no meu trabalho para irmos até o Masp comemorarmos, lá umas poucas pessoas festejavam a vitória.
Minha comoção, na época, foi, que diferente dos Estados Unidos, os juristas brasileiros aprovaram com unanimidade e com pronunciamentos de uma beleza quase poética como esta do então ministro Ayres Britto: “Homens e mulheres: a) não podem ser discriminados em função do sexo com que nasceram; b) também não podem ser alvo de discriminação pelo empírico uso que vierem a fazer da própria sexualidade; c) mais que isso, todo espécime feminino ou masculino goza da fundamental liberdade de dispor sobre o respectivo potencial de sexualidade, fazendo-o como expressão do direito à intimidade, ou então à privacidade (nunca é demais repetir). O que significa o óbvio reconhecimento de que todos são iguais em razão da espécie humana de que façam parte e das tendências ou preferências sexuais que lhes ditar, com exclusividade, a própria natureza, qualificada pela nossa Constituição como autonomia de vontade. Iguais para suportar deveres, ônus e obrigações de caráter jurídico-positivo, iguais para titularizar direitos, bônus e interesses também juridicamente positivados”.
Em 2013, quando o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obrigou os cartórios a celebrar casamentos do mesmo sexo, houve uma reação ainda mais tímida, apesar de toda a militância LGBT festejar muito. Apesar disso, muita gente nem imaginava que podia-se casar no Brasil, foi isto que foi constatado em alguns momentos e comentários nas redes sociais (“Agora só falta o Brasil”/ “Quando poderemos casar no país?”/ “É possível casar no Brasil?”), durante as comemorações do casamento gay nos Estados Unidos. E, de certa forma, a aprovação americana veio nos relembrar e, até para os que não sabiam que, sim, o casamento igualitário é uma realidade no Brasil e que casais do mesmo sexo têm direito à adoção, herança, plano de saúde… Só falta, na verdade, tornar-se lei – mas com um Congresso ultra-fundamentalista como este que temos, com certeza não será neste mandato.
Então, de certa forma, as críticas não deixam de ter seu fundamento. Somos paga-pau (ui) dos Estados Unidos ever. Muitos nem sabiam que era possível casar no Brasil assim como nunca festejaram as vitórias conquistadas no país, acontecidas muito antes.
Entretanto, o buraco (ui) é mais embaixo. A força de maior potência do mundo e, mais que isto, um país que dita comportamentos e ações culturais acaba tendo um peso enorme de influência global a favor do casamento igualitário. Mas mais que isto ainda para nós brasileiros: diferente os anos 2011 e 2013, este 2015 é marcado por fundamentalistas realmente no poder (e com forte aval econômico advindo dos dízimos de suas igrejas que não param de crescer) querendo impor seus dogmas acima dos valores republicanos. E muitos pastores-políticos conseguindo imprimir uma agenda bem conservadora e que atenta contra o Estado laico brasileiro – vejam os recentes fatos deles pararem sessões no Congresso para rezarem ou fazerem audiências com “ex-gays”. Sentimos um cerceamento da liberdade de expressão.
Muito menos um recado de apoio aos Estados Unidos, os avatares coloridos são um repúdio ao estado das coisas no Brasil. Não à toa, fotos de pastores com a bandeira dos LGBTs foram divulgadas nas redes em total clima de paródia, assim como questionamentos: “E aí, vocês vão boicotar os Estados Unidos, ou o Facebook, ou o Youtube (algumas das empresas que celebraram o casamento gay americano), assim como fizeram com a Natura e o Boticário?”
Existe uma preocupação real e viva com o rumo das liberdades individuais no país e com uma certa dominação agressiva deste grupos fundamentalistas agora no poder Legislativo. O colorido que tomou e ainda está tomando as redes sociais no Brasil é nossa pequena “Revolta da Vacina” digital. Foi um começo de recado para tais religiosos que existe uma oposição a tudo isto que eles querem implantar no país e ele não é só dos gays e das religiões de matrizes africanas. In God, (alguns) we trust, mas em vocês não!