Festival homenageia sua mentora e luta contra o preconceito para se manter independente

Por Vitor Angelo

Contra uma certa caretice reinante, o PopPorn Festival entra em sua quinta edição discutindo a sexualidade a partir de filmes pornôs e outros nem tanto, workshops e debates. Criado por Suzy Capó, morta em janeiro deste ano, o festival fará uma homenagem a ela com uma mesa redonda, uma seleção de seus filmes preferidos e claro, como boa hedonista e libertária que era, muitas festas. Uma delas, acontece nesta sexta-feira, 8, no clube PamAm, em São Paulo, com a renda revertida para que o evento possa acontecer.

Flyer da festa no PamAm, em São Paulo, com fundos revertidos para o PopPorn Festival (Divulgação)
Flyer da festa no PamAm, em São Paulo, com fundos revertidos para o PopPorn Festival (Divulgação)

O Blogay entrevistou por e-mail dois dos organizadores do festival, Tino Monetti, 32 , e May Medeiros, 26. Eles contaram das dificuldades de levantar fundos para um festival que trata e discute a sexualidade e que tem filmes pornôs em sua programação. Sem ajuda do poder público, nem do setor privado, eles contam com a ajuda das pessoas via crowdfunding (financiamento coletivo) pela Catarse (clique aqui). E tem sido assim desde sua primeira edição.

Blogay – Como será o foco do festival neste ano já que a mentora Suzy Capó morreu no inicio do ano? Quais as novidades?

May Medeiros e Tino Monetti – Como todos devem imaginar passamos por um tempo pensando nisso, a Suzy tinha/tem uma força muito grande que sustentava não só esse festival que é seu projeto autoral de mais reconhecimento. Sinceramente dizendo, ainda hoje achamos que ela vai chegar na porta do evento e dizer bem alto um “E AIIIIIIIIII?” com aquele sorriso largo e cheio de segundas intenções que ela mantinha, e aí sentirmos aquela carga de energia subindo. Mas, enfim, em determinado momento lembramos que pouco tempo antes de falecer ela promoveu uma reunião na casa onde morava com a sua mulher Marina Pecoraro, com uma sopa deliciosa, e ali ela queria definir quem seria seu braço direito e a linguagem do festival desse ano. Antes dela falecer, já tínhamos ideia de que caminho seguir, fomos para Berlim para reforçar junto ao Porn Film Festival o evento desse ano, então não dava para simplesmente interromper os planos dela.

May Medeiros – Com 15 dias do seu falecimento, comecei a receber mensagens de pessoas no Facebook e onde eu ia dizendo “May, o festival não acabou, né!? Precisamos fazer isso.” E o consenso de continuar veio sem sombra de dúvida quando a irmã da Suzy, Diana Capó, me mandou uma mensagem dizendo “Isso é muito importante para mim, me diga a data que já quero reservar o voo”. Aí a equipe de sempre do festival: Roy, Mayume, Marcelo D’Avilla, Vera Vasques, Lucas Villar, Thiago Roberto, Dilvania e Gabriel Bittar uniram forças junto com a Marina e o Éder Oliveira, melhor amigo da Suzy, e para quem devemos muitos e eternos agradecimentos como nosso guia, e estamos aqui com um pôster lindo de um cu, que era a imagem central que a Suzy gostaria de ter nesse festival! E com essa história de , voltamos para aos anais do festival. Ele será menor e mais parecido com o primeiro. No Cemitério dos Automóveis, na rua Frei Caneca (São Paulo) e contará a história da Suzy, que foi jornalista e produtora cultural, a mulher que abriu os olhos da mídia e da indústria audiovisual para a temática da diversidade das manifestações da sexualidade. Foi ela que em 1994 conceituou a sigla GLS, hoje LGBT, e achamos que nesse festival o foco deve se voltar para ela.

Cartaz da 5ª edição do PopPorn festival (Divulgação)
Cartaz da 5ª edição do PopPorn festival (Divulgação)

Como será a homenagem a Suzy Capó que vocês farão este ano?

May Medeiros e Tino Monetti – Como homenagem para a Suzy, faremos um debate das vanguardas de Suzy Capó, onde contaremos com a presença de pessoas que conviveram com ela e que podem através das suas lembranças mostrar o caminho da diversidade sexual cultural no país. Nesse debate falaremos da necessidade da presença de cultura de diversidade das práticas sexuais, inclusive em caráter político, porque vemos o quanto as políticas públicas mais do que nunca tentam controlar o sexo para controlar o poder. E aí temos exposições voltadas a ela e uma exibição de filmes com as obras que a Suzy amava como “Meu Amigo Claudia” do Dácio Pinheiro, “Filme para Poeta Cego” do Gustavo Vinagre, “Mommy is Comming” de Cheryl Dunye, “Amores Imaginários” do Xavier Dolan e “Raspberry Reich” do Bruce LaBruce.

Suzy Capó, criadora do PopPorn Festival no Brasil (Divulgação)
Suzy Capó, criadora do PopPorn Festival no Brasil (Divulgação)

E as festas?

Agora a Suzy sempre foi das festas, da bebida, da diversão, né!? Sempre lembro um dia que em estávamos DESTRUÍDAS depois de um dia intenso de produção, já passava da meia noite e ela disse “Tô UÓ, vamos sair para dançar!” rs Então, é claro, esse ano teremos mais festas, além da clássica festa de abertura na sexta, dia 12 de junho, com Cabaré The Burlesque Takeover + Festa Capslock do Dj Paulo Tessuto. Teremos mais uma festa no sábado dia 13 e agora pré-festival estamos fazendo algumas também como essa do dia 08 de Maio no PanAm com parceria com o Facundo Guerra, que nos cedeu 100% da bilheteria. O público presente nessa festa ganhará um free pass para assistir todos os filmes, debates e exposições do festival, mas quem não puder ir, nosso Catarse já está aberto e com doação mínima de R$20 já dá para ter acesso ao evento.

(Divulgação/PopPorn Festival)
(Divulgação/PopPorn Festival)

Quais as outras novidades do PopPorn?

Essa semana fechamos a presença do Jean Wyllys no debate que teremos sobre AIDS, queremos levantar a necessidade de ainda se falar do tema em tempos de clube do carimbo. Tocaremos também no assunto delicado de “bareback” (prática sexual sem o uso de preservativo) e, além da presença do Jean Wyllys, que foi uma das primeiras pessoas a nos apoiar nesse debate, teremos a Gabriela Calazans, psicóloga do Centro de Referência e Treinamento de Aids de São Paulo e o Rico Dalasam, rapper gay que também está apoiando o evento desde o início e representa além da luta LGBT, o movimento negro.

É um festival super independente. Como pretendem arrecadar dinheiro para ele acontecer?

Todos os anos fazemos essa campanha no Catarse (clique aqui). Um festival underground que toca em temas que remexe o poder público dificilmente terá apoios. Sabemos disso, então seguimos de forma independente e contar com o apoio de pessoas que acreditam na necessidade de ter eventos como esse na cidade de São Paulo, é a nossa forma de existir. Esperamos um dia em que empresas e políticos verão com olhos mais responsáveis a necessidade de falar de uma sexualidade positiva, que é o ponto central que a Suzy sempre quis trazer a tona e que o PopPorn Festival carrega como herança. Não se falar de uma sexualidade positiva trás não só problemas sociais como problemas econômicos, como com os gastos em hospitais (para se dizer o mínimo) na reparação de danos. Sonhamos com o dia em que poderemos fazer o evento de porta aberta. Já fomos muito atrás de patrocínios, a Suzy foi em muitas reuniões, porque acreditamos que essa responsabilidade de debater esses assuntos de um jeito menos careta é de todos que estão inseridos na indústria do sexo, não só do governo que já sabemos que raramente ajuda, mas sempre demos de cara com um posicionamento preconceituoso, como se falar desse tema fosse estar envolvido em algum tipo de ato criminoso. É ridículo ouvir de empresas de camisinha que não querem fazer parte de um evento que fale de sexo. Antes ainda tentávamos ir atrás desses patrocínios, hoje resolvemos contar exclusivamente com o apoio das pessoas, quem sabe daqui 10 anos empresas e políticos aprendam que possuem responsabilidade social e não fiquem em um jogo de cartas marcadas.

Esse ano para justamente abrir mais espaço para todos, fizemos cotas mais baixas e com mais acesso. No ano passado a cota mínima para 1 dia no evento era de R$30, nesse ano com o apoio de R$20 você já garante o ingresso para os 2 dias do evento e isso significa poder assistir mais de 30 filmes em tela grande em um teatro. As cotas maiores, a partir de R$70 já dão direito aos workshops, ao cabaré que sempre rola um coquetel, as festas e coisas mais especificas como lap dance e vale-tatuagem. Para estimular apoios maiores conseguimos doações de obras de arte como a do AVAF e também em apoio com um dos maiores colecionadores de Barbies do Brasil, o Carlos Keffer, conseguimos disponibilizar a Barbie de uma das personagens preferidas da Suzy, A Feiticeira da década de 60/70. Estamos a quase 20 dias do fim da nossa campanha no Catarse, esperamos conseguir provar que podemos fazer isso sozinhos, só o evento e o nosso público.

(Divulgação/PopPorn Festival)
(Divulgação/PopPorn Festival)