Existe muita violência no mundo e não estamos protegidos dela. Ela vem crua, sem mediação nem poesia nas imagens e diálogos das redes sociais, na TV, nas fotos dos jornais. Basta lembrar, por exemplo, o recente confronto (massacre?) entre a PM do Paraná e os professores da rede pública ou a ação policial na Cracolândia, em São Paulo, que aconteceram na semana passada. Vivemos tempos de guerra e a arte não tem sabido representá-los. Nada que acontece atualmente em arte no Brasil (estou me referindo às plásticas, mas também acredito que sirva para outras áreas) tem força, ferocidade e afronta para poetizar e redimensionar a violência da vida, das nossas vidas hoje. Até surgir Fancy Violence.
Ela e sua banda formada por Nivaldo Godoy e Panais Bouki, a Fancy Violence Band, se apresentaram no palco principal do Centro Cultural Vergueiro, em São Paulo, na mesma semana da truculência em Curitiba e no Bom Retiro. Só que diferente da violência policial que anula o outro e trabalha no campo da coletividade, Fancy coloca a violência como caráter individual, como forma de se impor como individualidade, como ato de ser respeitada pelo que se é, por ser o que se é.
Mas afinal, quem é Fancy? Na vídeo-performance, que a curadora Maria Monteiro entrevista o artista plástico Rodolpho Parigi e seu alter-ego Fancy Violence, ficamos sabendo que ela nasceu no Congo e foi criada na Antuérpia, na Bélgica, e está em São Paulo pra dar uma agitada nesta “cidade chatona”.
No vídeo, o artista tenta explicar que ela é um cyborg, uma replicante, algo não-humano. E talvez a tensão entre os dois (criador e criatura) e a negação por parte de Fancy de que Rodolpho Parigi é Fancy Violence, seja porque ela reinvidica com muito nervosismo e impaciência o caráter de ser humano e individual para ela. Fancy não quer ser cidadã de segunda classe, ainda mais porque, e este é o pulo do gato, em conversa com o Blogay, Parigi afirma que ela é um homem que se transformou em mulher, uma transgênero. Ela quer cidadania plena para os transgêneros e para a sua individualidade, nem que para isto, ela tenha que dar uma navalhada a unha em algum quadro.
Enfim, Fancy é uma artista!
A personalidade forte e inquieta de Fancy domina a todos durante o show da banda. Com uma música com ares de EBM (Eletronic Body Music) e colorido experimental, ela reina absoluta fazendo catwalk, jogando o cabelão, provocando as pessoas, gritando “idiota” para os que chegam atrasados à apresentação, ou mesmo provocando os outros integrantes da banda: “chega, eu não gosto de piano”.
Se no Centro Cultural, ela só derrubou o pedestal do microfone e a atitude estava mais no gestual e na fala (aliás, o controle do corpo de Fancy é um dos seus sinais de poder), na Galeria Olido ela quebrou tudo literalmente. A tragédia grega representava o terror e liberava a catarse , isto é a decantação e purificação de pensamentos e sentimentos negativos dentro de nós mesmos, quer dizer, nos livramos do terror, representando-o. Assim age Fancy Violence, nos libertamos da agressividade e da violência da vida de hoje, representando-as através da arte que ela navalha em nossas caras.
Franjas e Fancy para todos!