Drag é uma corruptela de “dressed as a girl” (vestida como uma garota). Curiosamente, no Brasil, o fenômeno da drag queen (infelizmente ainda falta ocorrer um correspondente para o drag king) ocorreu no começo dos anos 90, junto com a chegada das paradas gays no país e do termo mercadológico, mas extremamente eficiente socialmente, o GLS. Podemos dizer que os anos 90 foram simpatizantes para com a diversidade e isso se deve ao glamour, ao humor e ao escracho da presença das drags na cena LGBT.
Muito difícil é formatar e classificar o que é realmente uma drag. Muitos tendem a afirmar que são homens que se vestem de mulher para trabalharem na cena noturna, sendo fazendo shows, como hostess, como promoter. Mas não seria também drag quem se veste de mulher para se divertir, passear, flanar sem ter uma finalidade de trabalho ou de remuneração? Acredito que sim. Apodera-se do imaginário feminino utilizando o que lhe é mais profundo: a aparência. Neste sentido, podemos detectar uma atitude drag em transformistas, travestis, transexuais e até em heterossexuais que cultivam o prazer de se vestirem de mulheres como os chamados crossdressers.
Na quarta-feira, a Tag Gallery, em São Paulo, realizou um debate com o interessantíssimo nome, “O Poder da Imagem: Drag”. O título é muito explícito de ideias que foram debatidas lá. Poder se tem quando se tem conhecimento de como as coisas se dão. Imagem é, antes de reflexo, uma construção, e para se fazer tal construção tem que se ter conhecimento. A drag queen tem que lidar com todo o arsenal da feminilidade para dominar sua persona. Do make ao figurino, passando pela postura, a drag revela como se constrói a imagem do feminino. E, ao revelar, borra as fronteiras entre masculino e feminino, por isto, cada vez mais surgem drags andróginas, intersexuais, ou mesmo, barbadas.
Esta denúncia e exaltação é, com certeza o mais fascinante do fenômeno drag queen. Exatamente por trabalhar com a aparência, nada é mais revelador. O filósofo da arte Arthur Danto, que considera Andy Warhol, o pai da pop art, o artista mais importante da segunda metade do século 20, escreveu que o norte-americano uma vez declarou: “Se você quer saber quem é Andy Warhol, apenas olhe para o meu rosto ou para a superfície do meu trabalho. Está tudo lá”. Você quer saber sobre a feminilidade, olhe para uma drag, está tudo lá.
A pop art, com certeza, é mãe da street art, a arte de rua, e sua filiação vem ao querer aproximar (depois dos dadaístas e Duchamp) a arte da vida. Neste sentido, é curioso que foi por esta arte que Rafael Suriani, que expôs na mesma Tag que fez o debate, uma obra que exalta tanto drags históricas como uma nova safra surgida nesta chamada segunda onda. Bom, como o jornalista e DJ Jackson Araújo ressaltou: “esta é apenas uma onda midiática, porque as drags não desapareceram, elas sempre estiveram presentes, mas houve o programa da Ru Paul e a presença vitoriosa de Conchita Wurst em um dos programas mais classe média do planeta”.
Midiática, esta nova ascensão drag é fundamental de acontecer no Brasil , que vive um momento de total fundamentalismo. É confronto e resistência. E quando a arte de Suriani ilumina as paredes de São Paulo, na mesma cidade e na mesma época acontece o que é chamado de caso Verônica.
A travesti, depois de agredir e arrancar a orelha de um carcereiro, aparece toda machucada, com seu cabelo (parte fundamental para a construção da feminilidade) cortado. Muito mais do que a história e dos valores que é dado às atitudes de agressão seja da polícia seja de Verônica, é patente que a maior violência quem sofreu foi a travesti. Uma violência simbólica fortíssima.
Ao postarem fotos dela sem camisa, como se fosse um homem e rasparem seu cabelo, eles descontroem sua persona feminina, lhe tiram o poder, e também sua alma.