Propositalmente, este texto é escrito um dia depois do 8 de março, consagrado como Dia Internacional da Mulher, até porque, eu acredito, que o dia das mulheres merece ser todos os dias e os problemas de preconceito de gênero e misoginia devem estar em pauta diariamente. Eles partem da mesma raiz que aflige os LGBTs: o patriarcalismo, então nada mais justo que um blog como este reflita a seguir sobre dois fatos recentíssimos.
O primeiro é sobre a vaia da apresentadora Angélica na UniRio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) na última quarta-feira, 4. Ela sai junto com sua equipe sob urros:
Entretanto, a vaia não foi o que mais chamou a atenção de muita gente, como a cineasta Tata Amaral, 54, que escreveu em seu Facebook: “Eis que aqui, vejo uma cena reveladora: alunos de uma faculdade do Rio de Janeiro protestam contra a presença da apresentadora Angélica no campus. A equipe da apresentadora sai calmamente e ganha a rua. Agora o trecho chocante: a apresentadora caminha, e uma jovem a acompanha protegendo-a com um guarda-sol. Parece uma gravura do Debret, do século 19, quando escravas protegiam suas “senhoras” pelas ruas! Alguém, por favor, avisa esta criatura que já abolimos a escravidão no Brasil? Ela já pode passar a carregar sua própria sombrinha. Hoje é o Dia da Mulher. Vamos combinar que nenhuma mulher deve escravizar a outra, a partir de agora?”
Esta é uma tática muito funcional de dominação de minorias, colocar mulheres contra as próprias mulheres (no caso, a postura de Angélica para com outra mulher, a que carrega sua sombrinha) , os LGBTs contra os próprios LGBTs ou negros contra negros. Este exercício era exaustivo nos campos de concentração nazistas em que a delação e a categorização de minorias (se você fosse judia comunista seria obviamente inferior a uma pessoa só judia) imperavam como manobras de sobrevivência.
Viva a vaia, porque aqui ela é reveladora. Mas tem uma outra vaia que camufla, que foi a que presidente Dilma Rousseff recebeu durante seu pronunciamento na noite de domingo, 8.
Ao vaiarem Dilma (parte do processo democrático), o xingamento correu solto, mas que tipo de ofensas foram feitas? O blogueiro do “Uol”, Leonardo Sakamoto escreveu: “Chamar de ‘vaca’’ não é fazer uma análise da honestidade e competência de alguém que ocupa um cargo público e sim uma forma machista de depreciar uma mulher simplesmente por ser mulher. De colocá-la no seu ‘devido lugar’, que é fora da política institucional.”
A palavra vaca tem hoje um sentido de rebaixamento, de inferiorização. Mas a chamada cultura queer (queer significava estranho, no sentido pejorativo, antes de se tornar algo afirmativo), assim como o Palmeiras que durante um tempo transformou um xingamento, o porco, em seu símbolo ou ainda a Marcha das Vadias que valoriza a palavra vadia, nos ensinam que o caminho não é a vitimização.
Para todas as palavras que inferiorizam as mulheres (e os LGBTs, negros, etc) uma ação transformadora. Transformar a ofensa “vaca” ou qualquer outra em algo positivo é uma ação política da maior importância. “Vaca com muito orgulho”, “Somos todos vaca”, sei lá… Construir afirmações é um caminho contra o discurso de inferiorização e o preconceito e é também uma forma de desconstruir o opressor.
E assim, da vaia se faz aplauso!