Em 1969, o período mais pesado e fechado da ditadura militar no Brasil, Ruth Escobar, Victor Garcia e Wladimir Pereira Cardoso mudaram tudo no teatro brasileiro com a encenação de “O Balcão”, de Jean Genet. O escritor e dramaturgo acabou vindo ao país, devido à repercussão da peça. Dizem que foi seco: “pas mal” ( algo como ok), quando perguntaram o que achou do que tinha acabado de assistir. E a história virou lenda
Jean Genet ficou um mês no país, era arredio publicamente, mas no íntimo era muito afetuoso. Ficou na casa de Ruth Escobar e se divertia com os filhos da diretora e atriz. Ele esteve presente quando muitos estavam ausentes – exilados, na clandestinidade ou presos. Vivíamos a nossa marginalidade.
E de marginalidade, Genet entendia. Era homossexual, mas diferente dos gays de hoje que lutam pela normatividade, ele fazia questão de estar do lado oposto do que era considerado “normal”, trazia com sua sexualidade, ou melhor com a não aceitação de sua sexualidade pela sociedade, todos os outros valores também não aceitos pro ela: era ladrão, desertor, preso. Era o Nosso Senhor dos Excluídos!
Agora do Brasil, em que a população como um todo é excluída da água, da luz, do dinheiro, com a chamada crise hídrica, energética ou dos esquemas violentíssimos de corrupção (Petrobrás que o diga), Genet parece mais que necessário e não por acaso ele está nos palcos paulistanos em duas peças bem interessantes.
Uma delas, “As Criadas”, no teatro da Aliança Francesa, é o retrato da situação escravagista no Brasil que não consegue nem se traduzir em luta de classes entre patroa e empregadas, ainda estamos tentando alcançar este patamar com algumas leis.
E a outra é “Genet, O Poeta Ladrão”, no teatro Nair Bello, com texto inteligente de Zen Salles e uma ótima atuação de Ricardo Gelli, narra a vida do escritor intercalado com sua literatura de forma muito orgânica. Aliás, a peça começa citando a montagem de Victor Garcia e Ruth Escobar.
Mesmo vivendo um período histórico muito distinto da ditadura militar, Genet nunca foi tão necessário neste país, pois ele dá dignidade aos excluídos e, neste caso, não são só os LGBTs, hoje, os marginalizados no Brasil somos todos nós.