Recentemente, conversava com um amigo jurista e comentávamos que preconceito é sempre preconceito, mas quanto mais visível o objeto da intolerância, mais vulnerável é a vítima. No caso dos negros existe muito pouca escapatória. A questão da cor se mostra evidente, está literalmente na pele, muito mais do que ódios contra certas religiões ou contra orientação sexual. Iguala-se somente à questão de gênero, no quesito visibilidade. Mesmo estampado nas nossas caras, o racismo ainda é dissimulado por alguns como “brincadeirinha”, liberdade de expressão ou o motivo da violência ser sempre outro. No final da semana passada, o estudante de Ciências Sociais, João Henrique Custódio, 29, alegou ter sido agredido por seguranças da festa Cervejada do Peru, organizada pelo Centro Acadêmico 11 de Agosto, no Largo São Francisco, no centro de São Paulo. Para ele, que é abertamente gay, foram proferidas palavras racistas e a violência que o massacrou (diferente da dada aos amigos que estavam com eles, todos brancos) também passou por esta chave.
Ele descreve em sua página do Facebook: “Caminhamos poucas quadras e ao chegarmos (numa festa que tinha música e banda de metal) havia grades fechando a passagem nas calçadas e na rua, com um único local de passagem aberto para pedestre […] Entrei e, então, me virei e vi um dos meus amigos com o braço levantado e com uma pulseira verde sinalizando que eu devia voltar, provavelmente para pegar a pulseira imaginei. Caminhei poucos passos, por trás levei uma chave de braço, tentei me soltar e comecei a levar vários socos próximos da minha bacia e nas costelas, e chutes nas pernas. […] Lembrei dos skinheads e imaginei que poderiam ser eles, pois sou gay, tenho parceiro, ele estava ali tentando me ajudar. Eu ouvia várias vozes de pessoas, e não conseguia identificar. ‘Não bata nele!’ ‘Largue o menino!’ Fui arrastado e golpeado várias vezes até a grade que dividia a rua. Largaram-me lá, ergui meu corpo para ver meus algozes, vi o rosto deles mesmo sem óculos e, eles não eram skinheads, eram três seguranças, três homens grandes, muito grandes comparados aos meus 58 quilos”.
Ele e os amigos então ligaram para a polícia. “Meus amigos conversaram com várias pessoas e elas os alertavam sobre o risco de chamar a polícia, pois um dos meus agressores era um policial fazendo ‘um extra’, como segurança da festa. Os meus amigos se dividiram diante da ameaça, eu vi nos olhos deles o medo, eu me perguntava por que eles estão com medo? Eu não posso ter medo! Quanto mais a policia demorava a chegar mais meus amigos se desesperavam, o agressor ‘policial’ procurou meus amigos e ameaçou-os dizendo: ‘se chamar a polícia coisas graves acontecerão’”.
Quando a polícia finalmente chegou, o segurança, que as pessoas diziam se tratar de um policial, começou as ofensas racistas: “Ele tentou me intimidar diante do policial me chamando de ‘neguinho você é um merda’, outros policiais surgiram e ele se escondeu atrás da grade”.
João fez B.O., mas não conseguiu incluir racismo. Também fez exame de corpo delito e deve abrir um processo. Para o estudante, os amigos que estava com ele, todos brancos, foram tratados de forma agressiva pelos seguranças, mas sem violência física desproporcional, e ele foi o único que apanhou, o que o fez crer que isto aconteceu devido à sua cor de pele.
Outro lado
O Blogay tentou contato telefônico e por e-mail com o Centro Acadêmico 11 de Agosto e não obteve nenhuma resposta, muito menos informaram a empresa que fez a segurança na festa. Entretanto, eles publicaram, na rede social, uma nota de esclarecimento que diz que João queria entrar na festa sem pagar. “A organização (diretoria do 11) explicou calmamente a ele que o espaço público era da prefeitura e que ela havia nos dado permissão de uso, inclusive mostrando o alvará que nos autorizava a realizar o evento. Quando ele viu o alvará, tentou rasgá-lo, alegando que aquilo não o convencia. Devido à recusa ao diálogo, pedimos gentilmente que ele se retirasse pela última vez. Negado por ele a sua própria retirada, pedimos que os seguranças o acompanhassem para fora da cervejada. Quando os seguranças encostaram as mãos em seus ombros, partiu para a agressão física aos funcionários, que reagiram adequadamente imobilizando-o e nunca batendo-no”.
João contesta e diz que “tem testemunhas que existem de carne e osso, e não são forjadas: Felipe Policisse, Thiago Clemente do Amaral, Maira Gebs e Guilherme Zambelli”. Depois questionou: “eu tendo 1m77 e repito 58 quilos, sem experiência em artes marciais, como pude conseguir agredir várias pessoas – seguranças e possivelmente a comissão de organização? Já que no texto não está claro quais foram os agredidos”. E conclui: “Faz parte da lógica do racismo brasileiro fazer exatamente o que essa nota (do centro acadêmico) faz, culpar à vitima de racismo pelo abusos e agressões que sofrera, a vitima se torna culpada, para exorcizar os sentimentos de repulsa e a discriminação naquele que perturba, que polui a nossa democracia racial”.