Estava no voo de Londres para Zurique, estava de férias, estava lendo o “The Guardian”, um importante jornal inglês, quando, o Brasil, que raramente aparece no noticiário, é citado com a manchete que diz: “Brazil presidential candidate airs homophobic rant during TV debate” (algo como em uma tradução livre: “Candidato à presidência do Brasil faz discurso homofóbico durante debate de TV”). Fiquei bastante perplexo, como o nosso 7 a 1 (que é motivo de risadas e piadinhas aqui na Europa, pensei se não era novamente mais uma goleada contra nós mesmos, ou uma reafirmação de um país que não consegue ser sério nunca). E, apesar de todo o escapismo, parece que fui fortemente tragado à confusão, desonestidade e intolerância que exatamente estava fugindo neste período do ano, com as eleições e suas paixões medonhas. Atordoado, vejo as declarações do político do PRTB (Partido Renovador Trabalhista Brasileiro), nos portais nacionais, e me deparo com algo que custo acreditar: ele incita a perseguição aos gays. Neste momento, o Blogay, que estava de férias, voltou, pois não existe férias quando o assunto grita por racionalidade, cidadania e civilidade.
De todo o discurso infeliz de Fidelix, pode-se tirar o trecho final como o mais hediondo: “É… Vai para a [avenida] Paulista e anda lá e vê [os gays]. É feio o negócio, né? Então, gente, vamos ter coragem somos maioria. Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los, não ter medo. Dizer que sou pai, mamãe, vovô. E o mais importante é que esses que têm esses problemas realmente seja atendidos no plano psicológico e afetivo, mas bem longe da gente. Bem longe, mesmo, porque aqui não dá”.
Nele existe a incitação de enfrentamento e banimento, o mesmo discurso usado pelo apartheid na África do Sul contra os negros e pelos nazistas alemães contra os judeus. Enfrentar e extirpar, agora, a bola da vez: os gays. Apesar das correlações óbvias com o autoritarismo mais radical, muita gente comentou que era liberdade de expressão, que ele estava dando “apenas” sua opinião.
Se pensarmos como o linguista americano Noam Chomsky, podemos até considerar que é liberdade de expressão. Ele mesmo levou a fundo a frase do filósofo iluminista francês Voltaire: “Posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. Assim, nos anos 80, ele, que criticou o nazismo de forma contundente, fez o prefácio de um livro do historiador francês Robert Faurisson que defendia a negação do Holocausto. Mas, seguindo este caminho, percebemos que a tal liberdade de expressão é uma rua de mão dupla, existe um interlocutor, uma resposta, o outro que também tem a liberdade de responder, principalmente se sentiu na tal “opinião” um sentimento de ofensa, como os judeus, no caso de Chomsky, ou os gays, no caso de Fidelix. Pois bem, tanto a reputação de Faurisson como, principalmente, a de Chomsky foram intelectualmente desmoralizadas depois deste ato por boa parte da inteligência francesa, que também emitiu sua opinião sobre a opinião deles. Até porque aí entra uma outra definição de liberdade de expressão que diz que ela termina onde começa a do outro.
O que é importante notar que a liberdade de expressão não é um bem em si, por exemplo, não existe nenhum ato de bravura ou nobreza em dizer: “eu te odeio e vou te matar”, ou “a maioria irá esmagar a minoria e baní-la para bem longe”. Exatamente por isto, também é tolo quem acredita que Fidelix foi corajoso. Ele fez o discurso da exaltação de uma “maioria” contra um grupo, como fizeram e fazem os piores ditadores, e os risinhos da plateia presente no debate não o negam. Discurso corajoso é jogador de futebol declarar-se transexual, galã de novela assumir-se gay, Daniela Mercury afirmar que ama outra mulher. A coragem de sair do consenso! A fala de Fidelix é de fundo covarde e mesquinha.
Outra agravante da chamada liberdade de expressão na democracia é o seu próprio paradoxo. É o único sistema que o discurso contra a própria democracia ou a própria liberdade de expressão podem ser feitos sem acarretar opressões pesadas como nos regimes totalitários. Usa-se a liberdade de expressão para ir contra a sua própria essência, estimulando fobias e preconceitos como no caso da fala de Fidelix. Por isto é vital ter a vigília pelo que chamamos de liberdade de expressão, para que seus excessos usados de forma leviana como fez Levy, em última instância, não acabem exterminando-a.
Enfim, tudo isto porque usa-se a liberdade de expressão para esconder algo tenebroso: o discurso de ódio. Fingindo-se ser libertário, você aniquila, prende e persegue uma minoria como diz o próprio Fidelix: “gente, vamos ter coragem somos maioria. Vamos enfrentar essa minoria. Vamos enfrentá-los, não ter medo”. Ele incita o pior no ser humano, o ódio ao outro. Um ódio em pacto com uma plateia complacente, moderadores despreparados e os outros candidatos silenciosos diante tanta barbárie. A sorte que contra a barbárie, existe a civilização e ela está se mobilizando, em forma de protestos, processos e denúncias contra Fidelix, o homem que trouxe as trevas ao debate político.