Existe uma grande discussão se existe ou não literatura gay ou queer. Precisamente, ela nasce junto com o movimento dos direitos dos homossexuais no final da década de 1960. Claro que a abordagem da homossexualidade já está na literatura desde as poesias de Safo, assim como no “Banquete” de Platão, na Grécia antiga. Entretanto, para alguns pesquisadores, ela se faz de forma consciente e abertamente militante a partir do evento de Stonewall, em Nova York, em 1969 (talvez tenhamos a exceção de André Gide e seu “Corydon”, de 1924). Há outras vozes que são contra esta nomenclatura (literatura gay) e, para esses, existe apenas literatura boa e literatura ruim, por isto o debate colocado na primeira sentença deste parágrafo.
Porém, editores que acreditam na literatura gay tentaram este ano através de abaixo-assinado colocar o tema na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) mas a atitude foi em vão, o evento literário está em consonância, ao que parece, com a ideia de boa e má literatura e não na fragmentação da literatura em seções como feminina ou gay.
O que é mais complicado quando partimos da existência de uma literatura gay é achar um corpo sólido estético para ela. Todos os gêneros e formas são permitidas. Talvez este seja o trabalho mais difícil para quando nos debruçamos sobre esta tal literatura. Darei o exemplo de três livros que podem sim estar na chamada literatura gay mas são muito díspares entre si.
O primeiro é “Águas Turvas”, de Helder Caldeira (Editora Faces). O romance é a história de amor entre o médico brasileiro Gabriel Campos que se muda para os Estados Unidos depois de sofrer um abuso sexual e se apaixona pelo financista Justin Thompson. O livro acaba sendo também sobre a saga da família Thompson. Escrito de forma ágil, apesar da história às vezes ficar um pouco açucarada. Tem o grande mérito do autor ter um excelente domínio da narrativa.
“Ascenção”, de Silvano Tolentino Leite (ABR Editora), são contos que expõem ora de forma raivosa ora de forma poética a homofobia e o preconceito (incluindo o preconceito contra os infectados por HIV). Silvano trabalha, através de cada conto, uma forma de expor a homofobia e, de forma pioneira, também retrata o fundamentalismo religioso. O trabalho é interessante pois ele consegue, sem escorregar, ficar na linha tênue que divide a literatura e a militância.
Por fim, “Digerindo Penas”, de Flávio Aquistapace (Editora Patuá), vai para a linha mais experimental. Ele tem polivozes, mas a principal tem o nome de Bruno Mantegão, um gay de 33 anos que imagina um reencontro com sua mãe. O livro mixa diversas formas literárias. A fragmentação do personagem é sintetizada da forma que o romance também é construído: em fragmentos. É inspirador um romance de estreia se propor a tantos desafios e conseguir ótimos resultados.
Os três livros podem ser considerados literatura gay, pois a homossexualidade tem uma voz preponderante em cada um deles e, apesar de extremamente distintos entre si, trazem em seu cerne a palavra chave contra a intolerância: diversidade.