O que era pra ser um simples jantar de dois namorados em um restaurante em uma rua conhecida pela alta frequência de LGBTs, acabou na delegacia com sangue e boletim de ocorrência. O ator Gabriel Cruz postou em sua página no Facebook, neste domingo, 3, o relato da agressão que seu namorado Jonathan Favari sofreu depois que os dois deram um selinho no restaurante Sukiya, na rua Augusta, em São Paulo. Na web, já está circulando um convite para uma manifestação (mais especificamente um beijaço, ato que casais do mesmo sexo se beijam em protesto contra a homofobia) em repúdio ao acontecido. O evento está marcado para a quinta-feira, 7, às 20h, e tem o nome de “Sukiya: engula sua homotransfobia! Prato principal: língua de boy”.
Gabriel conta: “Ontem à noite, depois de sair de um barzinho na Augusta (sim, na Augusta, um dos maiores points gays que eu conheço), eu e meu namorado fomos comer no Sukiya, um restaurante localizado no número 974. Pedimos nossa comida, sentamos e jantamos. Depois de terminarmos, meu namorado foi ao banheiro e me deu um selinho de ‘até logo’. Assim que me vi sozinho na mesa, dois homens me abordaram, um de cada lado, me acuando. Um garçom e outro rapaz que depois identifiquei como o segurança do local, reprimindo, recriminando, e me hostilizando sobre a atitude singela que acabara de cometer. Usando o tipo de argumentação mais vazia e nojenta (argumentação nada, usando desculpas das mais cruéis e covardes), esses sujeitos bradavam: ‘Não tenho nada contra, mas esse é um restaurante de família; temos que prezar pelo respeito nesse ambiente; tem uma criança na mesa ao lado; vocês têm que procurar um lugar adequado pra fazer isso, aqui não é balada’, e um absurdo ‘desculpa o inconveniente’”.
É curioso notar que sempre em nome da defesa da família que os homofóbicos armam seus discursos. Porém, o ator não se fez de rogado: “Quando meu namorado voltou do banheiro, contei do ocorrido. Fui até a mesa da família que supostamente estaria ofendidíssima com nosso gesto, e perguntei se aquilo os incomodava. O pai disse que de maneira nenhuma, que ele não se incomodou em nada. As crianças, supostas vítimas do imensurável indecoro, continuavam comendo suas refeições, indiferentes a quaisquer uns que viessem a se beijar no campo de visão deles. Meu namorado e eu nos beijamos de novo”.
Bastou o gesto para despertar a violência do funcionário: “Foi o suficiente para o garçom usar de desproporcional força física para tentar nos tirar dali. Com um tranco, me separei do meu namorado, e, em meio àquela confusão surreal que acabara de se instaurar, vi o garçom desferindo socos na cara do meu namorado. Socos. Meu namorado fez o possível para se defender, enquanto eu e o pai da família, que viera de sobressalto desde sua mesa no fim do salão, tentávamos apartar o brutamonte. Sangue pingava do nariz do meu namorado, sangue no rosto, nas mãos, nas roupas, no chão”.
Aqui entra um importante dado que cada vez mais se torna, ainda bem, habitual, nas agressões homofóbicas, a denúncia. Gabriel conta: “Liguei para a polícia imediatamente. Tão imediatamente quanto o garçom foi ocultado para o interior do estabelecimento. Tão imediatamente quanto o segurança nos puxou pra um canto e começou a nos ameaçar. ‘Você vai querer falar de preconceito aqui? Eu vou quebrar a sua cara’, ele me disse. ‘Quer que eu tire mais sangue de você?’, disse ao meu namorado.
Agora outro dado, o despreparo da polícia: “A viatura chegou e fomos para a delegacia, meu namorado como vítima, eu como testemunha e o garçom como agressor-tentando-se-passar-por-vítima. Já não bastasse a indignação e a raiva, nos deparamos com um aparato policial despreparado, machista e desrespeitoso, o que aumenta ainda mais a sensação de impotência. Já na delegacia, durante as cinco horas em que esperamos e esperamos, os policiais e escrivão tentavam insistentemente nos dissuadir da ideia de requerer um inquérito. ‘É mais fácil vocês chegarem a um acordo com o cara, tem dois flagrantes na frente e vocês só vão sair daqui amanhã à noite. Então é mais fácil vocês fazerem um acordo e voltarem pra curtir a noite, ainda dá tempo…’. Apesar do menosprezo com a dor alheia (não, seu policial, não é uma questão de hombridade ferida. É um dever cívico enquanto homem gay agredido levar essa história até as últimas consequências), insistimos. Só sairíamos de lá com um B.O. em mãos e um inquérito instaurado”.
E completou: “Com o B.O. e o corpo de delito em mãos, devemos voltar à delegacia para requerer a abertura de inquérito por lesão corporal leve. Mas, além disso, vamos procurar uma delegacia especializada para levar essa história adiante”.
É uma história exemplar na atitude tanto de Cruz como de Favari e que se repete (recentemente ocorreu algo semelhante no restaurante Capim Santo). Onde um selinho pode ser tão indecoroso? Não há respostas, mas a resposta para o discurso desta irracionalidade está no que o ator escreveu nesta segunfa-feira, 04, no Facebook. “Escolhi não virar estatística, escolhi não ser um número, mas uma voz contra essa luta. A homofobia não é um fantasma impalpável que paira pela sociedade. Ela tem nome, rosto e endereço. Ela tem corpo, tem punhos e tem cara. Ela acontece”.
Outro lado
O Blogay falou por telefone com o assessor de imprensa da rede Sukiya, Lincoln Ohnuma, 64, que em nome da empresa lamentou o episódio e disse que “não faz parte da política da casa atitudes homofóbicas. Foi um total despreparo de nosso funcionário. Nosso posicionamento é claro contra qualquer preconceito aos homossexuais, temos inúmeros funcionários gays, e sabemos que o restaurante na Augusta tem uma grande frequência de homossexuais. O Sukiya está tomando providências a respeito do caso”. Ele também disse que, em nome da empresa, lamenta o ocorrido e pede desculpas ao cliente.