Há mais de uma semana, as redes sociais e a militância LGBT de São Paulo estão em polvorosa. Foi divulgada que a Coordenação de Políticas LGBT do município estaria pensando em mudar as eleições do Conselho que são feitas de forma direta, com militantes independentes e muitas vezes sem vínculos partidários, para a forma indireta através de indicações de ONGs. Uma reunião está marcada nesta quinta-feira, 24, na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. A Folha entrou em contato com Felipe Oliva, 30, servidor público, membro do Conselho e eleito por forma direta em 2012 e com coordenador de Políticas LGBT municipal Alessandro Melchior. Este último desmente que exista a proposta de voto indireto e enxerga má fé.
Felipe Oliva explica em depoimento para o Blogay: “Diferentemente de outros conselhos, que chegam a definir o destino de recursos públicos, o Conselho LGBT de São Paulo foi criado para fiscalizar a política LGBT da cidade, planejada principalmente pela órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos. Hoje, o Conselho é composto de representantes do governo e da sociedade civil, estes eleitos diretamente pela população, e se reúne mensalmente para discutir medidas que afetem as LGBT.
As pessoas que atualmente compõem o conselho foram eleitas em fins de 2012 e puderam acompanhar desde o começo a política LGBT de Haddad. Apesar de ter lançado ideias interessantes, como o plano de saúde integral LGBT e o Transcidadania (nenhum dos dois implementado), o governo Haddad foi responsável por graves retrocessos, especialmente o fechamento do Autorama [local de encontro gay no estacionamento do Parque Ibirapuera] (nem o Serra e o Kassab tinham conseguido a façanha) e o encerramento do Programa Operação Trabalho, que garantia um benefício para algumas LGBT em situação de vulnerabilidade, a maioria transexuais e travestis. Houve também omissões graves, como quando o ex-coordenador Julian Rodrigues não fez nada para impedir o fechamento do Lar Somando Forças, dedicado a travestis e transexuais com HIV, e intromissões indevidas, como a realizada na parada deste ano.
O Conselho LGBT tem criticado esses abusos e desmandos da Coordenação e certamente essas críticas não são bem vindas pelo governo do PT, partido que, embora tenha ligação histórica com as LGBT, há mais de uma década não atende nossas reivindicações – antes, vai frontalmente contra elas. Haddad, o ex-ministro da Educação responsável pela não distribuição do kit escola sem homofobia, tem uma dívida com as LGBT, e apenas a aprofundou nesse último ano e meio.
Este ano haverá nova eleição de representantes da sociedade civil para o Conselho. Acredito que, para evitar que o Conselho continue a ser crítico, a prefeitura tenha tirado do baú uma promessa vagamente descrita no programa de governo de Haddad de eleger os representantes da sociedade civil indiretamente.
Assim, em vez de a população afetada eleger seus representantes por voto direto, o próprio governo cuidaria de eleger os representantes da sociedade civil. Mas quais critérios informariam essa escolha? O pluralismo político ou a identidade de ideias? Não tenho dúvidas de que a prefeitura preferiria os representantes de grupos e ONGs com os quais partilhasse afinidades, em detrimento daqueles mais críticos.
A justificativa formal do governo para as eleições indiretas tem sido “qualificar” as discussões, como se as pessoas eleitas diretamente não contribuíssem da sua própria forma, com suas diferentes origens. Se eleição direta não é uma boa fórmula, por que o governo Haddad a adotou para todos os conselhos participativos criados recentemente? O que torna o Conselho LGBT tão diferente dos demais?
De fato, hoje o Conselho tem reuniões bastante esvaziadas, com ausência de muitos representantes da sociedade civil (não menos do que representantes do governo). Mas acredito que esse esvaziamento não seja consequência da falta de qualidade dos representantes da sociedade civil, mas principalmente da forma como o governo vem desprestigiando o Conselho, seja com vários representantes do governo faltando, seja com a Coordenação apresentando as políticas apenas depois de desenhá-las, ou então fazendo consultas com pouca antecedência e divulgação.
De qualquer forma, nada impede que as pessoas que compõem ONGs, coletivos e as famílias LGBT se organizem e elejam seus representantes diretamente. Nada impede tampouco que especialistas sejam trazidos para dar sua opinião sobre sua área de atuação – cabendo o voto aos representantes eleitos diretamente pela população afetada.
Enfim, entendo que a eleição indireta dos representantes da sociedade civil do Conselho apenas mascare uma tentativa de castrar o conselho de seu potencial crítico, enchendo-o de pessoas próximas e afins do próprio governo. Essa proposta, além de destoar do restante da política de conselhos participativos de Haddad, representará mais um retrocesso dentre os vários de que este governo é responsável”.
O outro lado
Alessandro, em contato por e-mail com o Blogay, desmente qualquer iniciativa de mudança de status do voto direto para o indireto. “Na verdade, há uma grande desinformação e má fé em relação ao processo de reestruturação do Conselho. Má fé motivada por disputas eleitorais. Não defendemos eleição indireta, muito menos indicação pelo Governo dos membros da sociedade civil, como tem sido divulgado levianamente. Envio anexo um texto de explicação que fizemos sobre o processo, apontando exatamente as mudanças sugeridas pela Comissão indicada pelo conselho com esse fim, Comissão que tem ainda maioria da sociedade civil na sua composição”.
No texto, enviado para o blog, aparece em negrito: “A eleição direta permanece! Cada eleitor votará em 1 candidata (o) de cada um dos segmentos que serão eleitos ( 1 conselho de classe, 1 coletivo, 1 representante do segmento LGBT e 1 entidade)”