Um casal apaixonado troca alianças, um pede o outro em casamento e se beijam. Existe cena mais clichê, mais romântica e mais comum que esta na vida e na literatura? Não, mas quando se trata de casais do mesmo sexo, a mis-en-scène muda de figura, ganha destaque em jornais, sites e redes sociais, gera polêmicas, protestos e elogios. Na noite de segunda-feira, 30, mais um beijo entre duas mulheres aconteceu na teledramaturgia brasileira. A fotógrafa Marina (Tainá Müller) pede Clara (Giovanna Antonelli) em casamento exatamente como citado no primeiro parágrafo deste texto.
A cena marca o primeiro beijo lésbico na TV Globo, a emissora mais importante do país em audiência e que ainda dita alguns comportamentos para boa parte da sociedade brasileira que não tem outros acessos culturais, educacionais e de lazer que não a televisão.
Mas é bom notar que não é o primeiro beijo lésbico da TV. Entre mulheres já tinha acontecido na década de 60, entre Vida Alves e Geórgia Gomide ,no teleteatro “Calúnia”, na extinta TV Tupi, e na novela “Amor e Revolução”, no SBT, em 2011, entre as personagens de Luciana Vendramini e Gisele Tigre.
Entre homens, teve o quase esquecido beijo da minissérie da extinta TV Manchete, “Mãe de Santo”, exibida pela extinta TV Manchete, em 1990, entre os personagens dos atores Raí Bastos e Daniel Barcelos, e o bombado beijo de Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) que encerrou a novela “Amor a Vida”, este ano.
O beijo de Clara e Marina não aconteceu no fim da novela, mas não foi menos importante no caminho de uma visão de certa normalidade por parte da audiência brasileira diante do afeto entre pessoas do mesmo sexo. Ao construir uma cena tão comum e batida na teledramaturgia: o pedido de casamento, o telespectador pode perceber que não existe diferenças básicas entre as convenções do amor hétero e do amor homossexual. A surpresa de receber o anel de noivado, a felicidade pelo pedido e o beijo final são exatamente as mesmas vividas tanto para casais formados por um homem e uma mulher, como para os do mesmo sexo.
Colocado assim, na forma de assemelhamento e espelho aos relacionamentos heterossexuais, o autor Manoel Carlos faz a questão avançar em relação ao casamento gay e todo o preconceito que existe em relação a ele e sua crítica de que não é algo natural.
Cada vez mais, com o passar do tempo, o público de TV, considerado bem conservador, verá o afeto homossexual (que deverá perder esta segunda palavra e, assim como beijo gay, será apenas afeto e beijo) como algo natural e até banal. O beijo entre dois homens ou duas mulheres tende a se tornar corriqueiro com o passar dos anos. E gerações futuras acharão bem estranho tal tabu, assim como hoje achamos, olhando para trás, que menos de um século as mulheres não podiam votar ou os negros tinham que sentar no banco de trás de um ônibus e não podiam entrar em certos lugares reservados só para brancos. Avançamos!