No domingo, 4, o centro de São Paulo parou para ver a Parada LGBT passar. Durante as seis horas que permaneci no evento, uma constatação que já tinha feito em outros anos se impôs: o evento gay é feito principalmente por negros e pobres.
“Jardim Ângela”, “Itaquaquecetuba”, “Pirituba” foram algumas das inúmeras respostas à pergunta que fazia aos participantes pra saber de onde é que eles tinham vindo para o evento. Muitos com cabelos com luzes, outros com um corte que lembrava o do sertanejo Gusttavo Lima, muitos com camisetas de marca e algumas tatuagens tribais que os desenhos muito lembravam uma espinheira, sem falar do boné. Estava de frente com uma classe social que conhecia das fotos dos jornais, dos chamados rolezinhos. As classes C e D ocupam novos lugares em um misto de enxergar a Parada como diversão enquanto consumo e também como um ato de cidadania (seja consciente ou não).
A Parada também lembrou muito os entrudos populares, os carnavais de rua do Brasil Colonial e monarquista que os escravos eram os protagonistas e os brancos assistiam à festa de suas janelas. E não precisava de nenhum instituto de pesquisa para constatar o óbvio, a presença de uma imensa maioria de pessoas negras.
Esta presença de negros e pobres no evento o faz ter muito mais significados e levanta complexidades mais ricas sobre as minorias no país. Já escrevi aqui que a luta de uma minoria é a luta de todas as minorias, e a presença delas em uma parada gay, mesmo que de forma desarticulada só comprova a tese acima. Estão todos na mesma marcha querendo direitos e respeito.
A parada paulistana surgiu branca e hype, era chique ir defender os gays, mesmo você sendo apenas um simpatizante, termo usado na época. Com os anos, um evento de graça, em uma cidade que o dinheiro rege o seu poder de ter lazer, fez com que negros e pobres também quisessem este ato de cidadania (a diversão de graça mais do que a própria parada). Entretanto, a presença, nos primeiros anos até violenta e mal educada destes novos convidados, afugentou.
Surgiram muitas desculpas, então, como as que parada virou uma micareta, um Carnaval fora de época (sempre foi e isto faz parte de nossa cultura), agora só tem putaria (sempre teve e não devemos olhar com moralismo, o mesmo moralismo que, de fundo, condena a existência de homossexuais), não era politizada (nunca foi em um sentido muito dogmático e restrito do termo). Desculpas para, talvez, esconder a verdadeira razão, a questão classista disfarçada na expressão “agora só tem gente feia”.
Talvez as únicas desculpas aceitáveis eram as das mulheres que ficaram assustadas com o assédio de um grande número de homens héteros que iam fazer pegação na Parada. Mas este ano, vi muitas lésbicas bem à vontade sem serem repreendidas por nenhum marmanjo. Não vi abordagens ostensivas que já cansei de presenciar nas edições passadas, nem vi tanto lixo no chão, nem pessoas muito bêbadas caídas, nem um clima de possível violência. Vi um ato civilizatório entre gays e negros e pobres e a própria Parada, porque, mesmo que inconscientemente, estavam todos lá por direitos, nem que fosse pelo direito de se divertir.
