Susan Sontag em seu livro “Aids como Metáfora”, de 1988, coloca com propriedade a questão da culpabilização da vítima pela doença, como se ela a merecesse. E, logo quando surgiu, a Aids foi considerada como uma espécie de punição direcionada especialmente aos homossexuais, até muito mais do que os usuários de drogas injetáveis. Exatamente por questionar este estigma de “peste gay”, que muitos ignorantes tentam até hoje repetir, que o filme “Clube de Compras Dallas”, de Jean-Marc Vallée, já teria um grande mérito.
Com uma narrativa clássica, o filme narra a vida do eletricista Ron Woodroof (interpretado de forma surpreendente por Matthew McConaughey), que faleceu em 1992, sete anos depois de ser diagnosticado com a doença. Detalhe: ele não tinha relações homossexuais, e era, até saber que tinha o vírus HIV, um típico machão do Texas, aficionado em rodeios e mulheres. E carrega todos os preconceitos que este estereótipo possui.
Com a doença, é expulso de sua roda de amigos, tem a casa pichada, transforma-se no produto de seu preconceito. Além disto, os médicos lhe dão um mês de vida. Ele, então, trava uma guerra contra a indústria farmacêutica assim como contra sua homofobia.
O momento de passagem contra a sua homofobia acontece na seca e, ao mesmo tempo, poética cena do supermercado. Ron está com sua sócia, a travesti Rayon (o músico Jared Leto em performance estupenda e, como McConaughey, inesperada) e um dos antigos amigos machões do eletricista recusa-se a apertar a mão da trans.
O fundamental do filme é como se dá a relação entre os que detêm o poder e os que não (heteronormatividade versus pessoas infectadas pelo vírus HIV; indústria farmacêutica versus tratamentos alternativos). O Clube de Compras Dallas é o gueto, onde os que têm a doença podem se refugiar, mas precisa-se ir além do gueto, ir aos tribunais, lutar por direitos, esta é a grande metáfora do filme.
PS: Na noite de domingo, 2, Jared Leto ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante e Matthew McConaughey, de Melhor Ator. O roqueiro disse em seu discurso de agradecimento, oferecendo o Oscar: “É para as 36 milhões de pessoas que perderam a batalha para a Aids”.