São já 22 LGBTs assassinados no Brasil por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero neste começo de 2014 (os dados não são oficiais, mas coletados de jornais pelo Homofobia Mata e seguem a orientação do Grupo Gay da Bahia).
Não é de se estranhar que os militantes acuados tenham enxergado (alguns ainda desconfiam) que a morte do adolescente Kaique Augusto Batista dos Santos, 16, não foi suicídio, mas depois confirmado como tal pela polícia e família.
Mas o caso de Kaique abre uma outra discussão de mesmo fundo, o suicídio entre os LGBTs, que só neste ano foram registrados 4 pelo mesmo Homofobia Mata. Claudia Collucci, em sua coluna na Folha, sobre a morte do jovem, termina seu texto questionando: “será que não é um bom momento também para se discutir os casos de suicídio na adolescência, que só crescem no país?”
Sim, e principalmente entre os LGBTs, que mais do que não aceitos em suas próprias famílias e no meio escolar, não conseguem entender o que está acontecendo com eles, por se acharem tão “diferentes” do que é normativo. O escritor Edmund White, no texto que abre a biografia de seu “Rimbaud, A Vida Dupla de um Rebelde”, diz sobre ele mesmo: “Sendo um adolescente gay infeliz, sufocado pelo tédio e pela frustração sexual, e paralisado pela autorrejeição, eu ansiava por fugir para Nova York”. A autorrejeição é com certeza o mal maior.
Não à toa que a campanha It Gets Better (algo como “ficará melhor”), que tem como objetivo conscientizar jovens LGBTs contra o suicídio, teve apoio e participação da produtora Pixar, do Facebook e até do presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Faltam campanhas deste porte no nosso país.
Abaixo a nota de pesar do Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da Universidade Federal de Santa Catarina sobre a morte de Alex Sobral no começo d ste ano é bem esclarecedora desta situação:
“Nota de Pesar
O Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades (NIGS) da Universidade Federal de Santa Catarina vem a público afirmar o seu pesar pela morte do jovem gay Alex Sobral, ex-estudante de nossa comunidade universitária. A polícia acredita tratar-se de suicídio. Alex, que cursava jornalismo, foi encontrado morto no bosque do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH).
Muitas vezes elaboramos o suicídio como resultado de enorme sofrimento psíquico do indivíduo e depositamos sobre o sujeito toda a responsabilidade do ato que cometeu. Entretanto, já no século 19, o fundador da escola francesa de sociologia, Émile Durkheim, nos ensinou que toda a sociedade, com seus valores e crenças, é responsável pelas mortes voluntárias que produz. Pensando o tempo presente, a comunidade LGBT tem sido fortemente impactada por mortes voluntárias e involuntárias.
São alarmantes os índices de suicídio dentre as populações jovens de lésbicas, gays e travestis. Segundo dados da Universidade Federal do Alagoas, as pessoas LGBT são mais propensas a ‘quererem sumir’, índice que chega a 78% das pessoas entrevistadas. Além disso, segundo a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, jovens LGBT têm até cinco vezes mais risco de cometerem suicídio que pessoas heterossexuais.
No que tange as mortes involuntárias, segundo dados dos movimentos sociais, apenas em 2014, no Brasil, foram assassinadas 18 pessoas LGBT, demonstrando o crescimento dos índices de violência letal. De acordo com dados do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil: Ano de 2012, publicado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, as notícias de mídia divulgadas nos anos 2011 e 2012 mostraram que ‘as violações que resultam em morte detêm o maior percentual, somando 81,36%’.
Os homicídios são os mais noticiados em 2012 entre as violências físicas, com 74,56%, seguidos por lesões corporais (70,76%), latrocínios (6,82%) e tentativas de homicídio (7,87 %). Em 2011, os homicídios totalizaram 78,6%, seguidos por lesões corporais (13,7%), tentativas de homicídios (6,5%), latrocínios (0,9%) e cárcere privado (0,3%).
Esse quadro de violências homo/lesbo/transfóbicas, quando não resultam em mortes de LGBT, podem produzir deficiências, contribuindo para aumentar o contingente de novas pessoas com deficiência no Brasil. Segundo o deputado federal Jean Willys ‘[em 2012,] 338 pessoas foram assassinadas por serem gays, lésbicas, travestis ou transexuais no Brasil, 27% mais que no ano anterior, que registrou 266 homicídios homo/lesbo/transfóbicos, 317% mais que em 2005’.
Nesse quadro de extrema hostilidade contra pessoas LGBT que transversaliza classe, gênero, deficiência, raça, etnia, o NIGS/UFSC vem a público reafirmar seu compromisso na construção de estratégias de combate à homofobia, estímulo à denúncia, apoio, solidariedade e justiça. À família e aos amigos do jovem Alex Sobral enviamos nossas sinceras condolências, compartilhando a dor da perda de mais uma promessa criativa da comunidade LGBT que ‘quis sumir’ do contexto violento em que vivia.
Sua perda, para além da dor da família e amigos, é também uma perda social pois foi um jovem que estudou em nossa universidade pública e não teve tempo de devolver à sociedade brasileira os conhecimentos obtidos em sua formação de excelência na UFSC. Trata-se, portanto, de uma perda que nos afeta a todos e todas enquanto comunidade universitária”.