Em uma discussão por telefone sobre preconceito com um assessor de uma cantora famosa, ele se assumia gay, como que para legitimar que ele não tinha preconceito contra os LGBTs, e eu então falei: “os homossexuais não estão livres de serem homofóbicos, muito pelo contrário, eles carregam com naturalidade muitos preconceitos que acreditam tratar-se apenas de uma questão de opinião”. Parecia que eu acabara de falar línguas para ele, que ficou um pouco chocado com minha afirmação.
É constante afirmações de cunho homofóbicos e transfóbicos no meio LGBT. Recentemente, a modelo Thalita Zampirolli, transexual apontada como affaire do ex-jogador e deputado federal Romário (PSB-RJ), deu as seguintes declarações para o colunista Léo Dias do jornal “O Dia” quando o jornalista disse que ela tinha uma voz muito feminina.
“Por isso que eu falo, sou criticada por não apoiar manifestações LGBT. Eu vivo em outro mundo. Não apoio. Muitas manifestações pedem respeito, mas você vê hoje em dia nas paradas gays muita falta de respeito. Eles se beijam, transam na areia… Não apoio isso. Trabalho com vários gays, eles têm padrão de vida diferente da maioria e poderiam pedir respeito de forma diferenciada”, respondeu Thalita.
Ela acredita que o fato de parecer quase ser mulher a retira da sigla LGBT e repete o mesmo discurso do opressor como que querendo-pedindo para ser o que não é.
O leitor do blog Marcelo Lacerda escreveu relatando um caso semelhante com o Mr. Gay Brasil Evandro Maia. Os dois discutiram via Facebook depois de Maia escrever: “Não suporto esses viados com cara de xupão e que miam quando abrem a boca! Tomem vergonha na cara… Vcs têm um PINTO no meio das pernas… Sejam homem carai! — se sentindo incomodado”.
Lacerda respondeu: “Extremamente grosseira essa sua colocação, Evandro. ‘Esses viados com cara de xupão e que miam quando abrem a boca’ são as que se expõem verdadeiramente. Elas estão na linha de frente na batalha por mais espaços para gays na sociedade. Os viados que dão pinta são os que dão a cara à tapa diariamente sem medo e são muito mais homens do que muitos por aí. Essas pessoas têm de se reafirmar diariamente, sofrem discriminação no trabalho, nos espaços públicos e esse seu incômodo, desculpe-me, é uma demonstração óbvia de despolitização. Repense essa sua posição, porque essas bichinhas se sentem, de certa forma, representadas por você e dão movimento, por exemplo, às ‘notícias’ que saem sobre o Mr. Gay em sites especializados”.
Novamente, existe uma grande confusão que acredita que você pode ser gay, mas tem que parecer “homem”, mesmo este conceito sendo muito vago e cultural. Se você parecer homem ou se parecer mulher, seja no caso de Maia ou no de Thalita, você se dá o respeito e age de forma diferenciada – mesmo que este discurso tenha um grande equívoco ao não compreender as sutilezas entre gênero e orientação sexual.
Mas antes de focarmos os nossos discursos de ódio contra Maia ou Patrícia, precisamos olhar para dentro de nós, e vermos momentos que também tomamos posturas semelhantes ou como a menina que beija Adéle no colégio em “Azul é a Cor Mais Quente”, de Abdellatif Kechiche, se silencia quando as outras colegas da escola acusam a protagonista de ser lésbica.
A reflexão e a crítica têm que ser cotidiana pois fomos criados em ambientes homofóbicos e transfóbicos e os estigmas estão “naturalmente” impregnados em nós. Que esta auto-análise seja feita e que antes de julgarmos os outros, nos olhemos primeiro. Afinal ainda carregamos muitos preconceitos conosco. Ninguém está livre deles, começando por este que aqui escreve.