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‘Azul é a Cor Mais Quente’: O amor nosso de cada dia bem de perto

Por Vitor Angelo

O amor surge e resiste (ou arruína) muito pelo grau de intimidade que se tem com o outro. É estar perto, no sentido metafísico, muito perto do objeto amado. Para tanto em “Azul é a Cor Mais Quente”, o diretor Abdellatif Kechiche usa e abusa dos closes, tudo para que adentremos na pele, na vida e na alma de Adèle, interpretada de forma grandiosa por Adèle Exarchopoulos. O close é nosso grau de intimidade com a personagem. É o nosso ato de amor para com aquela história que todos, em algum momento, já vivenciaram ou vivenciarão: a ascensão e a decadência de uma relação amorosa.

O psicólogo alemão e professor da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, Hugo Munsterberg, escreveu no começo do século 20: “O close-up transpôs para o mundo da percepção o ato mental da atenção […] É como se o mundo exterior fosse sendo urdido dentro da nossa mente e, em vez de leis próprias, obedecesse aos atos de nossa atenção”. Estamos todos atentos em Adèle e nas suas descobertas que, por estarmos tão pertos, são nossas descobertas também.

A atriz Adèle Exarchopoulos é a mais nova Falconetti, a atriz do clássico de 1928, dirigido Carl Theodor Dreyer: “A Paixão de Joana D´Arc”. Seu rosto, dentes e pele nos são confidenciados e revelados a cada fotograma, como numa cruzada/guerra em busca de algo tão espiritual como carnal, o amor.

De tão próximos, percebemos que ela sente desejo por outras mulheres e uma, em específico, irá também ficar perto de nós, Emma (Léa Seydoux). Ela será o primeiro amor desta adolescente que está se tornando adulta.

E com planos cada vez mais fechados chegamos a uma das cenas mais polêmicas do filme, a relação sexual do casal. Muitos a acharam exagerada, ou longa demais, ou explícita demais. Mas o que tem de demais é o fato delas nos perturbar e nos maravilhar também. Em uma sociedade falocêntrica como a nossa, o desejo e o prazer imenso entre duas mulheres sem a presença de um pênis é perturbador e maravilhoso. O filme chega a ser educativo neste sentido.

Nesta cena também presenciamos quase que com elas que não existem papéis como ativo e passivo, existe prazer. Aliás, existem papéis que podem ser trocados em uma mesma noite, em um mesmo desejo. É claro que a constatação imagética de que o pênis não é o centro do mundo sexual e que os papéis sexuais (reprodução da questão heteronormativa que muitos héteros questionam) não são fixos deva causar polêmica. Mas isto só é possível, novamente, por causa do close, por estarmos junto delas, por visualmente transarmos com elas, mas não no sentido do fetiche que faz com que as relações entre duas mulheres possam apenas ser a fantasia de um casal hétero, e sim como um ato de amor nosso com aquela história que acaba sendo nossa também. Como São Tomé, a gente acredita porque está vendo.

O amor tem seu componente trágico e o filme não o deixa de fora, mas sempre na chave do cotidiano. A relação acaba, há e não há culpados assim como saímos do cinema com a sensação que somos tanto Adèle como Emma, tamanha nossa intimidade com elas, tamanho o amor que presenciamos.

Emma (Léa Seydoux) e Adèle (Adèle Exarchopoulos) em “Azul é a Cor Mais Quente” de Abdellatif Kechiche (Divulgação)
Emma (Léa Seydoux) e Adèle (Adèle Exarchopoulos) em “Azul é a Cor Mais Quente” de Abdellatif Kechiche (Divulgação)

PS: O filme é repleto do que eu chamo de “o sublime do cotidiano”. Esta cena abaixo é o aniversário da maioridade de Adèle. Ela está amando e não pode contar para ninguém (é outra mulher! É algo novo para ela), mas seu corpo conta para todos o que está acontecendo com ela. Nesta hora, o azul de seu vestido é a cor mais quente.

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