Com quase um ano de estrada, o show “Baby Sucessos” encerrou sua turnê neste domingo, 6, em São Paulo. Foi a última apresentação da aclamada volta de Bernadete Dinorah de Carvalho Cidade, por anos foi nossa Baby Consuelo e depois do Brasil, que estava afastada de um repertório mais mundano desde que se converteu à Igreja Evangélica.
Ao completar 60 anos, no dia 18 de julho de 2012, a cantora teve um chamado do filho Pedro Baby. O guitarrista queria a mãe cantando seus antigos sucessos. Como ela mesmo diz no show: “não se faz mais 60 anos como antigamente”. Mas ela precisava ter a resposta de Deus. Pedro sabiamente disse: “Você acha que Ele não vai querer uma mãe e um filho tocando juntos?”
Mas, mesmo assim, ela preferiu jejuar e rezar para saber a resposta… Em Nova York (“porque Deus é chiquérrimo”, disse ela brincando). A resposta veio: “Deus está te dando a unção de Daniel para você entrar na Babilônia e a unção de Oséias para santificar uma geração”.
Escrito desta maneira pode parecer que era muito mais uma pregação que um show (em um outro nível de vínculo, o da metáfora, até podemos considerar esta ideia como verdadeira), mas é tudo feito com delicadeza, sem o discurso impositivo que estamos acostumados a perceber em uma pregação. No fim , já encarnando a popstora, como ela se auto-intitula, diz: “Se você ler estes livros, você vai pensar que eles tomavam LSD”.
Ao pensar no repertório, Pedro novamente a reconfigura, pois Baby estava temerosa com o que cantar. “Mãe, tá tudo ali, eles vão saber que você sempre foi assim”. Neste momento sutil de autocrítica, ela revela que talvez tenha sido radical como são alguns religiosos mais fundamentalistas e também como muitas vezes olhamos para certas posturas destes religiosos.
E o repertório do passado pré-gospel de Baby é repleto de amor, transcendência, espiritualidade e de felicidade. De certo modo, nada mais cristão em essência (e também de muitas outras religiões) impossível!
Está tudo ali, a compaixão, a generosidade e a poesia em músicas como “Planeta Vênus”, “Seus Olhos”, “Um Auê com Você” e “Menino Do Rio”. A força de “Todo Dia Era Dia de Índio” apresenta-se muito atual, com o total desprezo do Governo Brasileiro (Executivo e Legislativo) em relação às questões indígenas. Mesmo podendo não ser a intenção da cantora, é um momento muito político do show e a plateia parece entender e mandar este recado para ela e a banda.
No bis, ela volta e diz que fará uma homenagem ao DNA de sua história. Pepeu Gomes, seu ex-marido com que teve seis filhos. É uma declaração de amor, agora não mais carnal (“com todo respeito a sua atual esposa”, fala), mas intensamente espiritual. E canta “Masculino e Feminino”, grande sucesso do guitarrista dos Novos Baianos.
“Ser um homem feminino / Não fere o meu lado masculino / Se Deus é menina e menino/ Sou masculino e feminino”, diz a letra. E assim como Baby trocou a frase “dragão tatuado no braço” para “Jesus forever (para sempre) no braço” em “Menino do Rio”, ela também cantou que era “uma mulher masculina e não feria o seu lado feminino”. O interessante da música é que sabidamente Pepeu é heterossexual e sua preocupação sobre a tal masculinidade e feminilidade é de nível transcendente. E sua visão é muito abrangente, pois inclui os LGBTs também nesta visão de mundo.
Existe, generalizando, uma forte hostilização entre gays e evangélicos no país. Como se fossem inimigos inconciliáveis, esquecem-se que existe uma zona cinza, muito tolerante de ambos os lados. Baby do Brasil é o exemplo que esta indisposição tanto de um lado como de outro é para radicais. Diferente do discurso que prega que homem é homem e não existe áreas cinzas pois assim Deus quis, ela canta que é uma mulher masculina e ser um homem feminino não tira masculinidade deste homem e está tudo certo pois Deus é menino e menina. E todos e todas saímos ungidos deste show!