A primeira mensagem do papa Francisco aos LGBTs foi dada na coletiva para jornalistas que fez no avião de volta para o Vaticano, depois de sua visita ao Brasil neste ano. E a segunda foi para o padre Antonio Spadaro, diretor da “La Civiltà Cattolica”, em um longo artigo em que ele reforça sua primeira declaração e desenvolve um pouco mais a ideia.
“Durante o voo em que regressava do Rio de Janeiro, disse que se uma pessoa homossexual tem boa vontade e busca a Deus, não sou eu quem vai julgá-la. Ao dizer isto, disse o que diz o catecismo. A religião tem o direito de expressar suas próprias opiniões a serviço das pessoas, mas Deus na criação nos fez livres: não é possível uma ingerência espiritual na vida pessoal. Uma vez uma pessoa, para me provocar, perguntou-me se eu aprovava a homossexualidade. Eu então lhe respondi com outra pergunta: ‘Diga-me, Deus, quando olha para uma pessoa homossexual, aprova sua existência com afeto ou a rechaça e a condena?’ É preciso sempre levar em conta a pessoa. E aqui entramos no mistério do ser humano. Nesta vida Deus acompanha as pessoas e é nosso dever acompanhá-las a partir de sua condição. É preciso acompanhar com misericórdia. Quando isso ocorre, o Espírito Santo inspira ao sacerdote a palavra oportuna”, diz o papa para a revista jesuíta.
Estas duas mensagens do papa aos LGBTs significam uma mudança de postura da Igreja Católica em relação aos gays? A resposta é sim e não.
Se pensarmos nos discursos do seu antecessor, o papa Bento 16, que dizia, por exemplo, que o casamento homossexual “ameaça o futuro da humanidade”, podemos enxergar um discurso mais generoso e mais positivo em relação aos gays.
Existe uma sensível mudança ideológica no novo pontífice, por um lado, já não é mais a igreja que está no comando de tudo e todos, mas a igreja que quer arrebanhar, conquistar – pois tem perdido fiéis nas últimas décadas. E, neste sentido, o discurso de autoridade que condena, exclui, não cabe nesta nova igreja que deseja ser mais inclusiva.
Também no sentido filosófico, existe uma retomada explícita da questão do livre arbítrio. O papa diz claramente: “Deus na criação nos fez livres”. E vai mais longe, a coloca em um terreno esquecido ultimamente pelo cristianismo mas que está no seu cerne, a individualidade. “Não é possível uma ingerência espiritual na vida pessoal”. E não podemos esquecer como a individualidade e fundamental tanto para as questões de orientação sexual e de identidade de gênero.
O papa retoma valores fundamentais da cristandade e as coloca em primeiro plano, como o amor ao próximo, e o “atire a primeira pedra quem estiver livre de pecado” que é o avesso do discurso condenatório feito pela Igreja Católica como também em muitas outras religiões cristãs.
E melhor, critica a obsessão do catolicismo – podemos entender por extensão o de outras religiões cristãs – de condenar certas posturas o tempo todo, todos ligadas à questão da individualidade. “Não podemos continuar insistindo só em questões referentes ao aborto, ao casamento homossexual ou ao uso de anticoncepcionais. É impossível”.
De certa forma, ele prega uma igreja mais tolerante, mas suas ideias não mudaram. Na mesma frase, ele diz: “a religião tem o direito de expressar suas próprias opiniões a serviço das pessoas”. Isto é, a igreja continua não concordando com a homossexualidade, com o aborto e os anticoncepcionais (apesar dele agora coloca-las como coisas secundárias pois existem outras questões mais importante como a pobreza, por exemplo). Quer dizer, suas opiniões continuam as mesmas.
De fundo, não existe mudança substancial, mas sim, se antes era a fogueira para os LGBTs, agora é possível ser um colega, um conhecido que apenas não concorda com nossas posturas, ficou mais leve.