A visibilidade lésbica merece mais do que um dia, tanto que em São Paulo irá acontecer neste sábado, 31, um sarau sobre mulheres que amam outras mulheres na Casa das Rosas, na Avenida Paulista, das 16h às 21h, com venda de livros, leituras e a projeção do documentário “Cassandra Rios: a Safo de Perdizes” de Hanna Korich. A visibilidade lésbica merece mais do que uma saudação, merece uma aproximação, um gesto de cumplicidade, de entendimento por parte dos outras siglas que compõe o LGBT e também dos heterossexuais.
Pensando nisto, o Blogay conversou com lésbicas “desclosetadas” – isto é, fora do armário – e perguntou coisas que sempre teve curiosidade de saber, para assim compreender melhor o universo e a poética que compõe o mundo das mulheres que amam outras mulheres. Afinal compreender é o princípio do respeito.
Milly Lacombe, jornalista e escritora
Blogay – Até onde é mito ou piada que no segundo dia as lésbicas já estão morando juntas, casadas? Se for verdade ou parte de uma verdade, por que isto acontece, na sua opinião?
Sim, as lésbicas vão morar juntas no segundo encontro. Verdade máxima. Obviamente, essa é a regra e para toda a regra há exceções. Mas aqui a característica não é de lésbicas, mas de mulheres. Mulher quer casar. Mulher hétero e mulher gay. É o que queremos. Acasalar. Quando duas mulheres estão numa relação, essa característica fica potencializada e não há a outra parte masculina para dizer: “casar? tá doida? nem pensar”.
O que é lesbian death bed (leito de morte lésbico)?
LBD é uma outra verdade. E, outra vez, é uma característica feminina e não apenas lésbica. Mulheres não transam como homens, quantitativamente falando. O que a gente quer é qualidade. Com a gente não existe: tirou, meteu, gozou. Levar uma mulher a sentir prazer é mais complicado, envolve carinho, afeto, preliminares, a relação fora da cama (outra vez, há exceções e há alguns dias de lua cheia, claro, que a gente quer apenas uma coisa rápida)… E o perigo é a preguiça invadir a relação e as mulheres se acomodarem, o que acontece bastante. Aí, a cama morre e a relação passa a ser a de duas amigas que sentem muito amor uma pela outra. Mas tenho que repetir que a grande diferença não é entre gays e héteros, mas sim entre homens e mulheres. Basta pensar nos casais héteros que conhecemos. Há exceções, mas na maioria das vezes as mulheres reclamam de terem que transar com a frequência que o cara quer. Duas mulheres juntas há algum tempo, mesmo levemente excitadas, muitas vezes deixam pra lá. Mas não vale para relações recentes. Nessas, o duro é tirar as mulheres de casa.
Por que você acredita que muita gente não leva a sério uma relação entre duas mulheres (acreditam no velho discurso preconceituoso de que não foram “bem comidas por um pau”) e no máximo aceitam a relação lésbica apenas como um fetiche do homem heterossexual?
Homens não entendem duas mulheres a não ser para fins de se deixar excitar. Acho que porque o “poder” que eles sentem vem do pau, não os permite enxergar muito longe nesse caso. Como assim há pessoas que simplesmente não querem um pau? Isso não pode existir, eles não entendem porque não faz parte dos símbolos e signos que formam o repertório deles. É como se fosse uma outra língua — escolha errada de palavra aqui ; )
Laura Bacellar, 52, editora de livros
Blogay – As lésbicas se vestem mal?
Sim, com certeza. Como não há uma grife para sapas, cada uma veste o que lhe dá na telha ou é mais confortável, com resultados estéticos beeeem variados, hehehe. Eu mais ainda, sou mestre no tenão (tênis) e na malha folgada.
Entre Camilla Paglia e Susan Sontag, qual você prefere? Por que?
Sontag, com certeza. Ela foi a única intelectual que eu conheço que resolveu partir para a ação, que em vez de ficar nas suas palestras na universidade, fez as malas e foi para a Bósnia no meio da guerra. E brigou com o governo americano sempre, tinha uma posição totalmente contra o medo do terrorismo. Pena que como sapa nunca se assumiu publicamente, apesar de viver anos e anos com a fotógrafa Annie Leibovitz.
Como está hoje a literatura com temática lésbica? O que indica de leitura?
Está mediazinha. Pouca coisa sendo publicada, alguns romances independentes e algo pela Metanoia do Rio. Recomendo nossas crônicas supercríticas, “Frente e Verso – Visões da Lesbianidade”, da nossa Malagueta. Recomendo também “Eu Sou Uma Lésbica”, clássico maravilhoso de Cassandra Rios pela editora Azougue. Um bem fora da rota, que ninguém sabe que existe mas é bem escrito, é o “Tudo É Só Isso”, da Milly Lacombe publicado pela Benvirá. E bem na moda agora é o recente “Arte de Perder”, sobre Lota (de Macedo Soares) e (Elizabeth) Bishop, pela Leya.