Ainda pré-adolescente, escutei “Bárbara”, de Chico Buarque na voz de Simone e Gal Costa na casa de uns amigos. Ali, naquela tarde de chuva, com o disco na vitrola, no começo dos anos 1980, algo se mostrava pra mim: a música era sobre o amor de duas mulheres. Era algo possível e poético em um mundo que pra mim até então era feito apenas do amor entre homem e mulher.
Tempos depois, no antigo cineclube do Bixiga, assisti “Fome de Viver” (“The Hunger”, 1983), de Tony Scott. Ali, as atrizes Catherine Deneuve e Susan Sarandon se beijam e transam.
Desde então amigas homossexuais me cercam e a lesbianidade é algo palpável e diverso para mim. Das chamadas caminhoneiras do antigo Ferro’s Bar às “lesbian chic” da cena clubber de São Paulo dos 90, elas sempre estiveram visíveis para mim.
Mas uma parte do mundo está muito longe da canção de Chico e do filme cult da subcultura gótica da década de 1980. Uma parcela dele, infelizmente, acredita no estupro corretivo como forma de reversão da lesbianidade – pior que qualquer cura gay pois carrega a violência sexual em seu âmago.
A visibilidade lésbica carrega agentes mais complexos que a dos homossexuais masculinos que muitas vezes a jogam ao invisível. A começar pela bissexualidade mais permissiva que a sociedade contemporânea tem em relação às mulheres, muito diferente de como trata a mesma questão na chave do sexo masculino.
Longe de afirmar que a bissexualidade seja um problema – ela deve ser respeitada e vivenciada para os que tem esta orientação sexual – mas traz uma confusão para a afirmação das lésbicas.
Ela (a tal bissexualidade consentida) acontece também porque a relação entre duas mulheres é aceita enquanto fetiche do homem heterossexual – por isto o quesito bissexual, para depois, dentro da fantasia, ter também a relação sexual também com o sexo masculino. Não que o fetiche não seja legítimo, mas a lesbianidade fica apenas – socialmente aceita – como apêndice da relação heterossexual.
Enfim, não existe pior invisibilidade do que esta que é não existir em sua completude, a visibilidade lésbica deve ser plena como o amor de Bárbara, como o beijo de Catherine Deneuve e Susan Sarandon.
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