Apesar do aparente clichê da frase de Criolo: “Não existe amor em SP” , ela acabou adotada, transformada, invertida e divulgada por muitas pessoas porque trazia uma verdade impalpável. O amor como antônimo de solidão é algo difícil de encontrar não só em São Paulo, mas nos grandes centros urbanos e também nos pequenos, enfim, no mundo. A violência provocada pela falta dele está não só na letra do rapper, mas em sintonia com este sentimento podemos ver e ouvi-lo na peça “Desamor”, de Walcyr Carrasco e encenada por Dionísio Neto e também nesta pequena pérola chamada “Dama da Noite”, realizada com força expressiva pelo ator Luiz Fernando Almeida em cima de um texto homônimo de Caio Fernando de Abreu. Dama fica mais um sábado, 31 de agosto, em cartaz em São Paulo no Espaço Cultural Pinho de Riga (R. Conselheiro Ramalho, 599).
Neste monólogo, uma “bicha velha” – como Dama da Noite se auto-intitula -conversa com um “boy”, alguém que ela poderá pagar uma bebida e ter sexo fácil, mas nunca amor. A sacada é transformar os espectadores no outro, no jovem que a personagem aponta o dedo. Como não há aparente amor, não há delicadeza nem sutileza por parte de Dama da Noite para com seu interlocutor – o que acaba sendo uma experiência profunda e perturbadora no melhor dos sentidos para a plateia – e é neste termo que temos que entender a violência que é gerada pela falta de amor e feita de forma muito talentosa na peça.
Aliás, a personagem é violenta – no sentido de não medir as palavras e os gestos – não só com seu interlocutor, mas consigo e entendemos no final que tudo é porque não existe amor, existe sim a projeção e o desejo que ele floresça. Sem falar da grande confusão contemporânea que a peça também desenvolve entre amor e sexo, apesar de Dama ter alguma clareza sobre esta confusão.
Não é por acaso que a personagem é um homossexual, pois nele está o cerne que esclarece esta confusão entre amor e sexo, muitos vezes percebidas como a mesma coisa. Os gays são aqueles que reivindicam o amor pelo mesmo sexo. A questão de gênero é crucial, pois a atração sexual – um elemento, mas não o único para a formação do relacionamento amoroso – se dá de forma diferente da dos heterossexuais, obviamente. Enfim, o grito dos gays muito mais do que pelo direito de poder ter relações sexuais com pessoas do mesmo sexo, é por amor. Pois para chegar lá precisamos do sexo também como elemento, mas não o único nem o mesmo. “Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite”, diz mostrando que não desistiu do amor.
Enfim, em Dama da Noite, o mais assustador é perceber, através de suas porradas e dedos em riste, que falta mais amor (agora no sentido amplo da palavra) em nós mesmos, muito mais do que na cidade. Mas não vamos desistir dele, por favor, ele pode alguma hora entrar por alguma porta, quem sabe…