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Documentário retrata Cassandra Rios, escritora lésbica perseguida pela ditadura

Por Vitor Angelo

Tão violenta quanto a prisão e a tortura, é o processo de eliminação da voz considerada opositora. O preso político tem seu grito não silenciado quando se espalha a notícia de sua prisão, mas quando a eliminação é sutil, feita através de censuras e de mecanismos invisíveis de enclausuramento, o efeito é muito mais eficaz. E foi isto que aconteceu com Cassandra Rios, escritora brasileira considerada ofensiva para a moralista ditadura militar brasileira.

Lésbica assumida, escritora de livros taxados como pornográficos, autora de best-sellers, a maneira mais fácil de silenciá-la encontrada pelos militares foi censurando e proibindo a circulação de seus escritos. A ponto de ainda hoje ser difícil achar seus livros. Blogay fez uma pesquisa online em sites de grandes livrarias e apenas quatro de seus mais de 35 títulos estão à venda.

Cassandra Rios (Divulgação)

Para preencher esta lacuna, Hanna Korich resolveu fazer o documentário “Cassandra Rios: a Safo de Perdizes”. Com o apoio do Programa de Ação Cultural 2012, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, o filme tenta reposicionar Cassandra Rios no cenário literário, político e social como uma verdadeira desbravadora que foi e as consequências que estas posturas tiveram em sua vida.

Leia abaixo a entrevista feito pelo Blogay com Hanna Korich e o teaser inédito do filme.

Blogay – O que te atraiu no tema Cassandra Rios?

Hanna Korich – Eu sou uma lésbica cinquentona e gosto muito de livros. Descobri Cassandra Rios tardiamente, infelizmente. Passei a ler seus livros, que só consegui comprar em sebos, e me tornei sua fã. Fiquei escandalizada com o desconhecimento por parte da “moçada” sobre a Cassandra, principalmente das lésbicas com menos de 40 anos. Cassandra chegou a vender mais de um milhão de livros nos anos 60 e 70, mais do que Jorge Amado, que a considerava grande romancista e que foi ignorada por puro preconceito! Ela foi a primeira escritora brasileira a mostrar a mulher como ser sexual, com desejos próprios e libido, e foi pioneira em retratar as lésbicas nas letras brasileiras (publicou seu primeiro livro aos 16 anos de idade, em 1948!). Daí que resolvi abordar o tema Cassandra como um verdadeiro tributo à autora pela sua importância na literatura lésbica, seu pioneirismo, ousadia e, principalmente, para que as novas gerações saibam quem ela realmente foi.

Você chegou a conhecê-la? Como as pessoas que a conheciam descrevem Cassandra?

Infelizmente não a conheci, apesar de ter sido vizinha da Cassandra por 11 anos. Descobri durante a pesquisa para o documentário que Cassandra morava na mesma rua que eu morei na Vila Buarque, centro de São Paulo (eu morava no número 254 e Cassandra no 284), mas não me lembro de ter cruzado com ela. Todas as pessoas que a conheceram declararam que Cassandra era gentil, extremamente educada e discreta, inteligente, ousada, culta, lutadora, bem humorada, namoradeira e sempre dizia que a vida dela se resumia a escrever. Aliás, ela adorava escrever, publicar seus livros e saber que eram lidos por um grande número de pessoas, homossexuais ou não.

Por que a decisão de fazer um filme (e não um livro, por exemplo) sobre a escritora? Qual a linguagem que você usa no filme para descrever Cassandra (depoimentos, imagens de arquivos…)?

Decidi pelo DVD porque, infelizmente, depois de 5 anos trabalhando com Laura Bacellar na Editora Brejeira Malagueta, a única editora lésbica da América Latina, criada em 2008, cheguei à conclusão de que apesar de termos no Brasil 9 milhões de lésbicas, elas compram poucos livros, não se sabe a razão exatamente. Concluí que através de imagens seria mais fácil atingir o meu objetivo de tornar Cassandra Rios conhecida pelas novas gerações, afinal, estamos na era das imagens, certo? Com relação à linguagem, o documentário/tributo tem depoimentos, fotos de arquivos cedidos pela família da autora, imagens de objetos pessoais, capas de seus livros e outras imagens relacionadas ao tema LGBT, além de uma trilha sonora belíssima feita por Laura Finocchiaro.

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Quais as inovações da literatura de Cassandra Rios? E quais as inovações de sua literatura como ação afirmativa para as lésbicas e para as feministas?

Olha, Cassandra foi considerada por muitos leitores mais velhos uma referência quando se trata de informações sobre sexualidade. Suas histórias, mesmo nas décadas passadas (40, 50, 60 e 70), quando poucos autores escreviam explicitamente sobre sexo, já aparecia o tema. Foi a primeira autora a retratar as lésbicas nas letras brasileiras, o submundo homossexual em São Paulo e os dramas vividos por quem pertencia às minorias. Foi a primeira também a falar sobre homossexualidade feminina de forma declarada e mostrar a mulher como ser sexual, que sentia tesão, quebrando de maneira espetacular com a tradição vigente, até então de personagens femininas movidas apenas por amor. A ação afirmativa maior de Cassandra, sem dúvida, foi a visibilidade lésbica na vida brasileira, isso desde 1948, com a publicação do seu primeiro livro, que fala e descreve explicitamente o sexo entre mulheres e a relação amorosa entre as mesmas.

Ela sofreu preconceito dos intelectuais por fazer literatura erótica?

Sim, sofreu muito preconceito, e os intelectuais consideravam sua literatura pornográfica. Vários intelectuais classificavam seus livros como “baixa literatura”, mas a verdade é que ela foi recordista de vendas na sua época e sempre afirmou que jamais foi pornográfica e, sim, conservadora, e que sua intenção era ver seus livros nas mãos do leitor, queria ser lida – e foi!

Como a ditadura tratou seu livros?

Cassandra foi considerada a escritora mais censurada no Brasil! Inclusive, em vários de seus livros, vinha a frase “a escritora mais proibida do Brasil”. Na época da ditadura, teve mais de 30 livros censurados e apreendidos. Sofreu muito, foi extremamente perseguida e proibida de publicar. Perdeu muito dinheiro e bens por conta dessas perseguições e nunca mais conseguiu se recuperar. Ficou extremamente abalada e ressentida, pois sobrevivia de direitos autorias, da sua escrita.

Você acredita que a homossexualidade assumida dela foi o principal fator de seu planejado esquecido pela ditadura ou foi o conteúdo libertário erótico?

Veja bem, a ditadura perseguiu Cassandra por ela ser lésbica, mulher e por vender muitos livros! A ditadura era machista e burra e não se conformava com uma mulher escrevendo explicitamente cenas de sexo entre mulheres, e com tiragens imensas de livros. Cassandra era explícita, sempre foi, não escondia nada, seja em cenas de sexo hétero, como principalmente homossexuais femininas. Cassandra, em várias ocasiões, declarou que não era subversiva e sim “apolítica”. A verdade é que ela abordava abertamente temas tabus numa época em que a sociedade brasileira era extremamente homofóbica, conservadora e machista, mais do que agora.

Durante a pesquisa para o filme teve algo que te surpreendeu?

Várias coisas me surpreenderam durante a minha pesquisa: descobrir que tinha sido vizinha da Cassandra por tanto tempo e nunca ter cruzado com ela morando num prédio vizinho. Também o grande número de estudos sobre a autora, teses de mestrado, doutorado etc., e algumas recusas para depoimentos durante o documentário, a grande maioria de namoradas da Cassandra (risos)! Ela levava um jeito de tímida, mas aparentemente era terrível! E também os diversos elogios sobre a autora, por parte da maioria dos entrevistados. Cassandra era realmente uma pessoa muito querida e respeitada!

O que Cassandra Rios ainda tem a dizer para as novas gerações? 

Cassandra tem muito a dizer para as novas gerações. Vou tomar a liberdade de transcrever a sua própria fala na última entrevista que concedeu para a revista Trip, em junho de 2001, um ano antes do seu falecimento. O jornalista perguntou o que a autora achava do modo como a homossexualidade era tratada, e então ela respondeu: “Há forças de ação e de retração. Alguns homossexuais estão saindo do subsolo em que viviam, se manifestando. A maioria ainda se esconde. Escrevi uns 30 livros sobre homossexualidade. É o máximo uma mulher ter coragem de falar que ama uma mulher, ou um homem falar que ama um homem… com pureza. Os homossexuais sabem amar”. A contribuição de Cassandra para a literatura brasileira é inestimável, bem como e principalmente para a visibilidade lésbica. Sua coragem e ousadia devem  servir de exemplo para as novas gerações. Para o movimento LGBT, Cassandra abriu a porta e trouxe a consciência para um monte de gente sobre o assunto, isso é inestimável e deve ser reconhecido!

Se tivesse que recomendar um livro de Cassandra para as novas gerações, qual você indicaria como livro de iniciação para o universo da escritora?

Indicaria “Eu sou uma lésbica”, publicado em forma de folhetim na Revista Status, em 1980, que conta de maneira atraente a iniciação amorosa de uma menina com uma mulher mais velha e sua trajetória até a idade adulta em busca da sua identidade homossexual. O desfecho da história é surpreendente e seus três últimos parágrafos são impactantes.

Cassandra Rios (Divulgação)

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