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Visibilidade trans: O 3º banheiro é um modo de fugir do problema aparentando resolvê-lo (parte 2)

Por Vitor Angelo

Colocada a questão do não lugar social na transexualidade e o caso de Ranata Bastos, que em sua ida ao clube municipal do Pacaembu, em São Paulo, para ir à piscina, acabou sendo encaminhada para um vestiário masculino quando, com peitos e aparência feminina se sente mais à vontade frequentando o que é reservado para mulheres, surge a questão do terceiro banheiro.

Muitos acreditam nele como uma via para resolver o problema, já que um dos argumentos ao debate é que mulheres se sentem mal na presença de transgêneros no mesmo banheiro.

A travesti Laerte Coutinho, cartunista da Folha, desmonta estes dois pontos e levanta outras questões em entrevista para o Blogay. Laerte foi protagonista de um episódio semelhante em relação ao banheiro feminino em um restaurante.

Blogay – Quando ocorreu um caso semelhante contigo em um restaurante que reclamaram que você usou o banheiro feminino, houve uma proposta de um banheiro para trans, o que você se colocou contra. Por quê?

Laerte Coutinho – O vereador Carlos Apolinário (DEM-SP) propôs essa “saída” de um terceiro banheiro, que seria inclusive proibido para “crianças desacompanhadas” (está no projeto dele, juro)… Sou contra, porque é uma iniciativa que busca a segregação de uma parte da população – que busca sacramentar o estranhamento gerado pelo preconceito de que essa população é alvo. Semelhante a isso foi a criação do “vagão para mulheres” no metrô do Rio (de onde, aliás, duas mulheres trans foram retiradas a força há poucos dias). Uma pseudo-solução, que só consagra a segregação e deixa impune e livre a violência sexual praticada no transporte público. Acho que numa escola de samba também se criou um 3º banheiro, como “solução”. É e sempre será um modo de fugir do problema aparentando resolvê-lo e, pelo contrário, eternizando-o.

Um/uma trans feminina ou masculino deve – em cada caso – usar o banheiro masculino ou feminino? Por quê?

A pessoa deve usar o banheiro que lhe pareça mais adequado. Como meta a ser buscada, banheiros públicos devem ser limpos e confortáveis – e não divididos por gênero, algo sem nenhum sentido sob a luz dos motivos para os quais foram criados.

Seres humanos excretam de forma idêntica, machos ou fêmeas. O uso de mictório vertical, que é tão invocado pela argumentação dos conservadores, é detalhe ridículo. Mulheres, muito frequentemente, mijam sem encostar no assento – é só perguntar. Mictórios à luz do dia, onde o usuário pode ser visto por todos, são usados em várias partes do mundo, inclusive no Rio de Janeiro. A Argentina começou a abolir a divisão por gênero de banheiros públicos – justamente como decorrência da lei de livre identidade de gênero no país.

Um dos argumentos usados contra esta liberdade de escolha dos transexuais é que uma trans feminina pode chocar as mulheres que estejam no mesmo banheiro. Como desmontar este argumento?

Uma mulher “genética” que não corresponda fisicamente ao modelo de gênero feminino pode chocar as mulheres.  Uma lésbica “visível” pode chocar as mulheres. Em que se baseia esse choque? Na possibilidade de uma agressão, seja em forma de violência física, seja em forma de assédio agressivo. E, afinal, quem são essas mulheres-vítima?

Por que devemos considerar a proteção de uma reserva de mulheres “100% mulheres”, como diria a entrevistadora da Lea T. no Fantástico (exibido do dia 27 de janeiro deste ano), se a humanidade tem uma riqueza de representações de gênero tão vasta? E é realmente considerável a hipótese de agressões no banheiro público? Não deveríamos lembrar que a maior parte das agressões e estupros sofridos pela população feminina se dá nos seus lares e imediações, praticados por maridos, familiares, vizinhos?

Tudo isso leva a crer que esse choque/medo de ameaças (frequentemente incrementado pela presença de “crianças inocentes”) é muito mais um mito a serviço da construção permanente da cultura de gênero binária [o mundo dividido estritamente em masculino e feminino].

Laerte lembra existe uma lei que protege os transgêneros neste sentido. “Aprendi com a minha experiência (o episódio do restaurante) que a nossa presença no banheiro que consideramos adequado é garantida pela lei estadual 10948.” Clique aqui para saber mais.

PS: No post seguinte, outras transgêneros opinam sobre estas questões e contam casos de enfrentamento deste problema.

Laerte Coutinho (Leticia Moreira/Folhapress)

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