Um dos símbolos maiores de São Paulo é sua noite. E um dos grandes destaques do 20ª edição do Festival Mix Brasil é o longa “A Volta da Pauliceia Desvairada”, dirigida por Lufe Steffen, que traça um amplo painel poético sobre a vida noturna gay da cidade. O documentário tem sua última exibição dentro do evento nesta quinta-feira, 15, na sala 3 do Espaço Unibanco, em São Paulo, e uma outra marcada para o final de novembro no Rio de Janeiro.
O filme documenta a cena noturna gay de São Paulo neste ano de 2012. O que poderia cair na fragilidade de ser algo datado exatamente por fechar o recorte em uma data específica, acaba surtindo efeito contrário. Ao tratar de liberdades e desejos com jovens que saem na noite para se divertirem, o documentário acaba se tornando atemporal, pois são, de fundo, as mesmas liberdades e desejos que as pessoas buscam desde tempos imemoriáveis.
Como escreveu o DJ Zé Pedro em seu blog sobre o filme e seus personagens: “Em sua maioria são meninos e meninas que vêm da periferia para terem na noite a sua hora da estrela. E fazem de tudo por isso: cabelos assimétricos, piercings nos lugares mais inusitados e uma edição fashion de abalar! Todos demonstram imensa liberdade, uma leve consciência social e sexual somados a uma vontade extrema de ser feliz”.
O Blogay conversou com o diretor Lufe Steffen, 37, sobre o filme.
Blogay – Como surgiu a ideia do filme?
Lufe Steffen – Desde que eu saio na noite, na metade da década de 90, eu acho tudo muito pitoresco, as pessoas, os locais, as situações, então sempre tive vontade de fazer um filme assim, que retratasse esse universo. Aí agora rolou.
Como você conseguiu fazer o recorte do filme, já que a noite gay de São Paulo é tão vasta?
A gente tentou mapear todos os bares e boates homo de SP, de gays e lésbicas, vale lembrar. A partir disso, surgem sub recortes sociais, financeiros, sexuais, de moda, etc… Não sei como, nem se, consegui fazer esse recorte, mas enfim, o filme responde por mim.
Ainda existe uma cena underground em São Paulo ou foi tudo banalizado?
Acho que houve sim uma banalização do underground, do lado outsider, ou melhor, uma comercialização e uma padronização disso. Mas sempre aparecem espasmos que tentam resgatar o verdadeiro underground, como o Bar do Netão, a festa Voodoo Hop, a festa Vaca Galactose…
Como foi a pesquisa das pessoas para os depoimentos?
A pesquisa buscou localizar pessoas que tivessem uma ligação direta com a noite gay: DJs, drags, promoters, empresários, jornalistas que frequentam a cena, estilistas que usam a noite em suas criações, e por aí afora. Além dessa pesquisa, marcando previamente entrevistas, teve também a pesquisa “caçada”. Ou seja, na hora, nos próprios locais, observávamos pessoas interessantes e convidávamos para falar.
Fale um pouco do trabalho de edição, como pensou a estrutura do filme para que desse voz a muitas pessoas?
São mais de 100 pessoas que aparecem no filme, então dividimos o filme em uma estrutura por dias de semana, situando os locais e festas nos dias em que ocorrem, por exemplo, Grind na Lôca é no domingo. Dentro dessa estrutura, surgem sub divisões por temas: sexo, drogas, política, etc.
Qual a importância para você dos gays na noite de São Paulo?
Os gays sempre tiveram e continuam tendo importância na noite de São Paulo, justamente por serem “avant-garde”, por lançarem modas, anteciparem tendências inclusive de comportamento. Apesar de hoje isso também estar desgastado, acredito que os gays em geral continuam ocupando essa função.
O filme vê a noite como uma forma de liberdade e hedonismo ou como alienação ou ainda como ambas?
O filme não julga a noite, eu espero (risos). Não estabelece uma visão. Acredito que ele mostre uma série de posturas das pessoas, e aí sim, o espectador pode ver essas posturas e encará-las como libertação, hedonismo, alienação, válvula de escape, militância, sobrevivência, necessidade, dependendo de cada núcleo ou personagem que aparece. Eu acredito que a noite é isso mesmo: ela engloba todas essas coisas, simultaneamente.
São Paulo ainda está desvairada?
Eu gostaria de ter vivido a noite de São Paulo nas décadas de 70 e 80, pois creio que ali sim São Paulo estava mesmo desvairada. Consegui pegar um pouco do movimento clubber, comecei a sair no Massivo [lendário clube localizado nos Jardins] em 1991, então deu pra ver a loucura clubber de 91, 92, 93, 94… Depois veio a coisa do techno e tal, mas acho que lá pela metade da década de 90 a loucura já começou a cair. Teve um momento bom de renascimento no período 2001-2005, mas de lá pra cá sinto que está cada vez menos desvairada. Infelizmente. Isso no sentido de ser desvairada de uma forma alegre, criativa, ousada, libertária. O título do filme na verdade é quase um pedido, um desejo, ansiando pela verdadeira volta da pauliceia desvairada! Que o filme ajude essa volta a se concretizar…
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