Cuspir no chão, 10 pontos. Coçar em público as partes íntimas, 20 pontos. Ser escroto com as mulheres, 70 pontos. Se for enlouquecido por futebol de forma quase histérica (não estou falando dos verdadeiramente apaixonados pelo esporte bretão) ou ser briguento, esquentadinho, mais alguns 100 pontos. Pronto, já pode tirar sua carteirinha azul da heterossexualidade, até porque só é considerado hétero – no senso comum – infelizmente aquele que é macho.
Colocado assim, mostra-se bem como é frágil os valores que carimbam um homem em macho, logo hétero, e os que não conseguem pontuar neste patético programa de macheza.
Os homens, desde que nascem, são postos à prova, pra não dizer emparedados, para provar sua masculinidade através de atitudes que parecem ancestrais, mas que não são tão antigas assim. São regras gerais para provar um conceito abstrato de masculinidade para todos. Mas engana-se quem confunde isto com heterossexualidade. Muitos gays a assimilam, quando não a introjetam também. Para depois escutarem um admirado: “nunca desconfiei que fosse boiola”.
Mas é tudo construção. A colunista da Folha, Clarice Reichstul, escreveu que o hábito da cor azul ser para meninos e a rosa para meninas surgiu só nos anos 1930/40. E que antes o rosa era a cor masculina por excelência, pois era uma cor viva.
O engraçado que usar rosa até bem pouco tempo atrás era “coisa de gay” e hoje já vê-se nas vitrines e ans ruas a cor sendo usada sem medo de ser “taxado” como tal. Mais um prova desta tal construção da masculinidade como símbolo da heterossexualidade.
De nada adianta gritar, fazer uma cara marrenta, ou preferir explodir tudo e todos no videogame. Isto não te torna mais heterossexual. Pode ser apenas um exercício perverso para separar os que se adequam – e novamente repito, muitos gays estão neste meio – e os que não.
Para ser verdadeiramente heterossexual, você pode desmunhecar, desprezar as brigas ou não ter um fascínio fetichista por carros. Pois basta apenas um detalhe: precisa realmente sentir atração sexual por mulheres e só. E pronto. Pode jogar fora esta carteirinha azul que ela é fake.
PS: O texto é sobre a confusão que heterossexualidade e masculinidade são as mesmas coisas. Em nenhum momento é um “J’accuse” contra a masculinidade e a heterossexualidade, muito menos contra os homossexuais que conseguem se enquadrar nesta construção. Ele é antes de tudo uma vontade de libertar o homem de construções inúteis, porque para ser hétero (e do outro lado da moeda, gay) não precisa seguir nenhum pré-requisito e nem sofrer porque não os preenche, basta apenas saber para que sexo seu desejo aponta.