Na madrugada de sexta-feira, 7, três travestis foram assassinadas em Aparecida de Goiânia, na Grade Goiânia. Elas foram fuziladas por homens armados. Uma outra travesti foi esfaqueada em outra cidade próxima, Hidrolândia, em um posto de gasolina.
As quatro supostamente se prostituíam pois esta é uma realidade e uma solução para grande parte das travestis que são expulsas de casa sem nenhum tipo de ajuda da família, que as renegam veementemente. O fato só muda quando muitas conseguem, além de sobreviver, mudar de país e ganhar muito dinheiro com a prostituição no exterior. Ao voltar para o Brasil, em geral, compram a casa dos familiares e os sustentam. Neste momento, o que era vergonha vira esquecimento ( de que tem um(a) transgênero na família) e silêncio.
Mas existe um outro silêncio, o silêncio da humilhação que é uma coisa que muitos transgêneros estão resolvendo quebrar. Nesta mesma sexta-feira, rodou pelas redes sociais o desabafo da transexual Jessyca Dias:
“Eu, Jessyca Dias, 27 anos, Transexual desde os 18 anos, fui vitima da mais abjeta transfobia num estabelecimento chamado Rancho Jundiaí [em Jundiaí, interior de São Paulo]. Ao chegar na entrada do estabelecimento com minhas amigas, a segurança pediu meu RG. Quando viu que o documento constava ainda o nome de homem, a segurança disse que eu não poderia entrar e que eram ordens da casa. Indignada, disse que ela não podia me impedir pelo fato de eu ser transexual, pois aquilo era preconceito. Nesse momento, a segurança chamou um outro colega que perguntou se eu estava com as meninas, que estavam ao meu lado. Ao confirmar, o segurança me deixou entrar. Na bilheteria reclamei do ocorrido com a moça que recebia o meu dinheiro e ela disse que a atitude de não deixar entrar travestis e transexuais estava correta.
Ao entrar na casa, fui falar com o dono do evento, de nome Edson Del Roy . Ele disse que estava proibida a presença de travestis e transexuais, pois elas usam vestimentas inadequadas para o local, como vestidos, blusinhas e saias curtas. Quando falei que as mulheres que frequentavam o local se vestiam da mesma maneira, ele disse que eu não podia ser comparada a uma mulher. Ao final, disse que iria buscar meus direitos, e ele com a voz já alterada, disse que não se importava com isso. A conversa encerrou-se ali.
Minha noite de diversão acabou. Me senti ultrajada, humilhada. Desde que me assumi, como transexual, nunca tinha passado por isso. […] Informo também que estarei tomando todas as medidas, judiciais e extra judiciais, contra o estabelecimento e contra o dono do evento. É obrigação de cada LGBT, que foi violentado em sua honra e dignidade, ir até as ultimas consequências para obter Justiça!”
A análise desta situação é melhor descrita pela filósofa Marilena Chauí em sua fala no debate “A Ascensão Conservadora”, que aconteceu no final de agosto, em São Paulo. “A sociedade brasileira é extremamente violenta e tem a tendência a situar a violência apenas na região da criminalidade e, de não perceber, que a violência é toda a violação física e psíquica que você faz contra a natureza de alguém. Ora, uma sociedade que trata seres humanos que são racionais, dotados de sensibilidade e dotados de linguagem como se eles fossem coisas, portanto irracionais, mudos, inertes e passivos, é o grau máximo da violência porque você não reconhece a humanidade do outro”.
O Blogay tentou contato com o estabelecimento sem sucesso.
Os dois casos acima mostram o alto grau de transfobia que a sociedade brasileira ainda teima em se enlamear. Como já escrevi algumas vezes aqui no blog, os transgêneros estão na vanguarda, no sentido de estarem na linha de frente na batalha contra os intolerantes e, estando nesta posição, são as primeiras a levar as pedradas.
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Mas nem tudo é ruína, ainda temos algumas brechas de uma possível sociedade mais inclusiva e generosa. A revista “Trip”, por exemplo, escolheu a modelo transexual Carol Marra para ser sua “trip girl” deste mês.