São muitas palavras para definir Carlos Reichenbach, que todos na verdade chamavam de Carlão, mas se tivesse que escolher uma seria: generosidade. A morte do cineasta, nesta quinta-feira, 14, só comprova que o país paulatinamente vai perdendo seus pensadores mais libertários, que o Brasil com sua ascensão para um país novo-rico vai ficando um lugar mais egoísta.
Mas não é hora de falar dos tempos de hoje, é a hora da perda e como o instinto de permanência daquilo que se esvai, a memória se torna peça sólida para termos presente aquilo que não está mais entre nós.
A primeira lembrança vem não de um filme, mas de um ato. Éramos todos alunos da ECA-USP meio angustiados com a pasmaceira que ali vivíamos e resolvemos fazer uma semana de estudos cinematográficos. Carlão, sem nos conhecer e já um cineasta consagrado, aceitou na hora fazer um workshop de direção… de graça.
Uma outra lembrança é como ele sabia, por vias improváveis de seu talento, colocar atores então questionáveis na qualidade dramatúrgica como protagonistas, em papeis cruciais, e tirar um resultado inesperado (para nós, não para ele) deles. É o caso de Beth Faria em “Anjos do Arrabalde” (1986) ou Carlos Alberto Riccelli em “Dois Córregos” (1999).
Por fim, lembro-me de uma longa entrevista que fiz com ele a pedido do jornalista Marcelo Rezende. Carlão me confessou que quando jovem conhecia todos os cinemas de São Paulo e que ia de bicicleta do Jabaquara até o Tatuapé ou a Penha (para quem não mora na capital paulista, eu digo, são grandes distâncias) para ver um filme qualquer, num misto poético de “E.T.” e o “Grande Momento”, clássico de Roberto Santos.
Nestas três memórias pulsam generosidade, seja com o cinema, com os atores e com os desconhecidos.
Era um anarquista, um libertário. As questões da liberdade e da liberdade sexual eram uns dos pontos centrais para ele. A homossexualidade de companheiros da sétima arte, como a de João Silvério Trevisan, eram por ele admirada, como sinal de coragem em um tempo e uma sociedade (ainda) tão conservadora.
Para ele tanto fazia se você era gay, hétero, ou o que quisesse ser, o importante era amar o cinema. E ele o amou! Com generosidade e de forma libertária.