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A contribuição dos gays, lésbicas e travestis para o mundo

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Blogay é editado pelo jornalista e roteirista Vitor Angelo

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“É possível ser católico fervoroso e gay praticante”. diz psicóloga ligada a grupo de homossexuais cristãos

Por Vitor Angelo

Exatamente quando o Papa Bento 16, chefe maior da Igreja Católica, afirma, neste final de semana, que sua missão é cuidar da família, “baseada no casamento entre um homem e uma mulher”, parecendo esquecer-se dos gays como uma nova família,  um braço do mesma catolicismo prefere abrir-se e estender-se aos homossexuais que se identificam com a fé cristã.  Não como oposição ao Papa mas como resposta ao imaginário que diz que todos os religiosos, principalmente os cristãos são fundamentalistas e intolerantes.

Com 5 anos de vida, o Diversidade Católica é um grupo atuante nas redes sociais e agora, neste domingo, 03, organiza o ciclo de debates “’O Amor de Cristo nos uniu’ – Gays cristãos na Igreja Católica”, no auditório do CCET da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

O Blogay conversou com Cristiana Serra, psicóloga e leiga católica, moderadora do blog do Diversidade Católica. Ela falou sobre o grupo, de uma possível teologia queer, de como as mudanças na Igreja Católica são lentas e sempre surgem das bases, além do cuidado para que os gays não demonizem todos os religiosos, pois nem todos são radicais contra a homossexualidade, reafirmando a fala do cartunista Laerte que diz que não podemos transformar a luta dos direitos dos gays em uma guerra santa.

Cartaz e programação do evento “’O Amor de Cristo nos uniu’ - Gays cristãos na Igreja Católica” (Divulgação)

 Blogay – O que é o Diversidade Católica?

Cristiana Serra –  O Diversidade Católica é um grupo de leigos católicos, em sua maioria gays (e por “gays” referimo-nos a todo o espectro LGBTTI [ o I se refere ao intersexo]), que surgiu em 2007 na tentativa de abrir espaço, aqui no Brasil, para uma reflexão sobre a conciliação da fé cristã com a diversidade sexual. Desde então, o grupo vem crescendo e nossas reuniões, que eram mensais, tornaram-se quinzenais; nelas realizamos um trabalho de acolhida, a partilha de experiências, a reflexão sobre a fé cristã e o aprofundamento da nossa experiência espiritual. Aos poucos, começamos a realizar palestras, exibição de filmes, e iniciamos nossa presença na internet, através do blog, facebook e twitter. Assim, a vivência do grupo veio amadurecendo até que, no início deste ano, surgiu a ideia de um primeiro evento aberto, a partir do contato com os questionamentos, dúvidas e angústias de muitos, inclusive tantos que se sentem excluídos do seio da religião em que muitas vezes foram criados e com a qual sentem profunda identificação, ou, pior, excluídos do amor do Deus em que acreditam, ou julgados e condenados por amigos ou mesmo a própria família como “abominações”. A ideia é mostrar o cristianismo como “opção positiva”, como defende o próprio Bento 16, e não uma religião restrita à dimensão da proibição e da condenação; combater a homofobia religiosa; e trabalhar pela abertura dos canais de diálogo e reforçar os pontos de encontro e convergência entre gays e cristãos, para que juntos possamos lutar pela construção de uma sociedade mais justa e fraterna para todos.

As igrejas cristãs se mostram bem pouco favoráveis aos gays. Como conciliar catolicismo e homossexualidade?

É preciso tomar muito cuidado com o preconceito invertido. Assim como nós, gays, queremos ser vistos como as pessoas inteiras que somos, para muito além dos rótulos, também é preciso cuidado para não generalizar com relação aos religiosos, demonizando a todos e colocando todos no mesmo “saco de gatos”. Sim, há muita homofobia religiosa, e isso é um problema gravíssimo. Porém, embora os homofóbicos seja barulhentos, há entre as diferentes igrejas uma grande variedade de posturas, e dentro de cada igreja encontram-se facções e segmentos, e sobretudo pessoas, com posturas bem distintas. Mesmo dentro da Igreja Católica, na qual nos inserimos, embora o discurso oficial seja contrário às práticas homoeróticas, ao casamento gay e às principais bandeiras dos movimentos LGBT, isso não diz tudo sobre a realidade católica e sua maneira de lidar com a homoafetividade. O mundo católico abrange multidões de fiéis espalhados pelo planeta, uma considerável heterogeneidade cultural e ideológica, e uma ampla diversidade de níveis e de ambientes eclesiais. Além das posições doutrinárias do papa e da Cúria Romana, devem-se considerar a atuação dos bispos e de suas conferências em muitos países, os teólogos e suas reflexões, as comunidades paroquiais e suas as iniciativas pastorais e, sobretudo, a consciência dos fiéis, à qual a doutrina católica atribui um papel fundamental e insubstituível nas decisões morais. Nesse contexto, é fundamental não perder de vista a dimensão histórica e lembrar-se sempre de que as mentalidades mudam muito lentamente, sobretudo nas instituições. E, na história da Igreja especificamente, todas as grandes mudanças se deram sempre das bases para a cúpula. É por essa mudança que muitos, e também nós, trabalhamos. Temos um lema: “sejamos nós a Igreja que queremos ver no mundo”. (Temos um artigo no blog, “Homossexualidade e Contra-hegemonia no Catolicismo”, que se aprofunda nesse ponto e fornece muitos exemplos de iniciativas e atitudes do clero e dos leigos que se afastam do discurso homofóbico)

Como o cristianismo pode ajudar os gays no sentido afirmativo, não no de cura ou condenação?

A mensagem cristã é uma mensagem, como já dissemos e Bento 16 gosta de repetir, eminentemente positiva. É preciso lembrar que, na essência, sua mensagem é de inclusão, de amor incondicional, de solidariedade, de igualdade, de superação das diferenças, de diálogo fraterno. Transformar essa mensagem em uma coleção de leis opressoras, a serviço dos poderes humanos que julgam, dividem e condenam, é uma subversão da lógica de Cristo – uma eterna tentação a que estamos todos sujeitos, contra a qual ele mesmo adverte em diversas passagens dos Evangelhos. Cristo, que andava com todos os excluídos, pecadores e condenados de seu tempo, veio para mostrar que somos todos iguais e irmãos, todos irrestrita e incondicionalmente amados por um Pai que é apaixonado por cada um de nós. E essa mensagem é dirigida a todos, sem exceção. É uma mensagem com um potencial revolucionário em termos sociais, e à luz da qual todos os preconceitos, segregações, condenações e exclusões são demolidos. Nesse sentido, os cristãos podem ser formidáveis aliados na luta contra toda violência homofóbica e pela igualdade de direitos dos gays. Nos EUA e Europa, há movimentos organizados de cristãos, gays e héteros, nesse sentido. Aqui na América Latina é preciso que comecemos também a nos posicionar.

Existe uma teologia que rebate a que condena os gays?

Existe a chamada teologia queer, da qual um grande representante no Brasil é o André Musskopf, que está lançando seu livro “Via(da)gens teológicas”. No seio do catolicismo, esses estudos não são muito estruturados, mas vêm ganhando corpo as obras, trabalhos em congressos, ensaios, documentos eclesiais, cartas pastorais, de teólogos religiosos e leigos, membros dos mais diversos níveis da hierarquia, grupos de leigos organizados, que questionam os princípios da teologia moral vigente, inclusive com relação à diversidade sexual, e defendem uma abertura, propondo leituras e posturas alternativas. A esse respeito, recomendamos de novo o artigo citado acima, “Homossexualidade e Contra-hegemonia no Catolicismo” , que contém uma boa compilação de exemplos e é uma razoável introdução ao tema.

É possível ser gay e católico praticante?

Sim, é possível ser católico fervoroso e gay praticante (risos). Na verdade, a adesão à doutrina católica é mais flexível do que interessa aos fundamentalistas e ultraconservadores admitir. A rigor, apenas os dogmas exigem acolhimento total por parte dos fieis. E é necessário que assim seja, senão como se justificariam todas as mudanças ocorridas na doutrina católica ao longo dos séculos? Assim, entre as orientações do Magistério (a hierarquia da Igreja) que não são dogmas, existe uma “hierarquia de verdades”, e o fiel é convidado a sempre colocar qualquer dever ou lei diante de sua consciência. “A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, diz o parágrafo 16 da Constituição Dogmática “Gaudium et Spes”, do Concílio Vaticano 2º. Muitos católicos gays simplesmente não reconhecem suas vidas e seus relacionamentos na forma “desordenada” de que falam alguns documentos. Por isso, não só não podem ir contra a sua consciência, se esta não os acusa de estar em pecado, como não podem compactuar com a mentira de se dizerem desordenados, se não se percebem desta forma. O próprio Magistério, ao requerer do católico fidelidade à voz da própria consciência, exige que ele dê seu testemunho daquilo que, nela, percebe como sendo a verdade. É isso o que fazemos, e essa é a razão de ser do evento deste domingo: dar testemunho da verdade de que somos gays, somos católicos, e não há nada de intrinsecamente errado nisso. Somos filhos amados incondicionalmente por Deus, e a pertença à Igreja é nosso direito inalienável.

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