Mario Vargas Llosa escreveu recentemente no jornal El Pais, um texto chamado “La Caza del Gay” (“A Caça/Perseguição aos Gays”). Ainda no calor do choque da morte do jovem homossexual chileno Daniel Zamudio atacado por neonazistas, o escritor peruano tentou jogar luz sobre a homofobia latino-americana.
“Esperemos que a imolação de Daniel Zamudio sirva para trazer à luz a trágica condição dos homossexuais, lésbicas e transexuais nos países latino-americanos onde, sem uma única exceção, são objeto de escárnio, repressão, marginalizados, perseguidos e alvo de campanhas de descrédito que, no geral, contam com o apoio declarado e entusiasmado da maioria da opinião pública”, diz um trecho do texto que você pode ler na íntegra traduzido para o português clicando aqui.
Um ponto importantíssimo focado no texto de Llosa: “No que se refere à homofobia, a esquerda e a direita confundem-se como uma única entidade devastada pelo preconceito e a estupidez. Não só a Igreja Católica e as seitas evangélicas repudiam o homossexual e opõem-se obstinadamente ao matrimônio de gays. Os dois movimentos subversivos que nos anos 80 iniciaram a rebelião armada para instalar o comunismo no Peru, o Sendero Luminoso e o MRTA – Movimento Revolucionário Tupac Amaru – executavam os homossexuais de maneira sistemática nos povoados que controlavam para libertar a sociedade de semelhante praga”.
Vargas Llosa é um homem de direita, já concorreu à presidência do Peru em 1990, e considera-se um neoliberal na área econômica – quase um sacrilégio para quem se diz de esquerda. Mas, assim como os gays, ele já foi alvo de intolerância ao ganhar o Prêmio Nobel de Literatura em 2010. Intelectuais de esquerda da Suécia tentaram, em vão, fazer uma campanha para que não lhe dessem o prêmio porque o escritor era… de direita.
O conceito esquerda e direita, dizem, hoje é ultrapassado. Os termos surgidos durante a Revolução Francesa servem para indicar de um lado os progressistas, os que querem mudanças ( a esquerda) e de outro os conservadores e os que querem preservar as tradições (a direita).
Na Era Moderna, o embate ganha força pois está na essência da modernidade, a questão do novo e sua obsolescência para um outro novo. Parece que desta forma a esquerda ganharia vantagens, mas o que realmente aconteceu foi uma espécie de maniqueísmo que apontava – dependendo de sua posição ideológica – para campos esquemáticos como tal linha é “do bem” e a outra “do mal”.
O movimento para a liberação das minorias, mas mais ainda o movimento gay, colocou em xeque este esquematismo. Se a princípio a militância homossexual se alinhou à esquerda (a que anseia mudanças), com o tempo foi percebendo que ela – em sua totalidade – não atendia todas as suas demandas. João Silvério Trevisan no livro “Devassos no Paraíso” conta com muito pesar como a cooptação do movimento gay brasileiro pelos partidos de esquerda nos anos 80 acabou prejudicando o próprio movimento nascente.
Em uma passagem do livro, ele conta que procurou um militante para pensarem uma campanha contra a Aids e recebeu a resposta que a doença era imperialista e só afetaria as bichas burguesas, os proletários estariam a salvo. Ledo engano, pois esse militante iria contrair o vírus algum tempo depois, segundo relato de Trevisan.
Alinhar-se à esquerda ou à direita não significa muito em relação aos direitos civis homossexuais que precisam ser conquistados. Talvez uma grande conquista dos militantes gays é cada vez mais ter a chamada independência crítica. Foi o que aconteceu recentemente quando a ala LGBT do PT que criticou duramente o senador Lindbergh Farias do mesmo partido, por defender Silas Malafaia – um dos principais opositores aos direitos gays no país. Ou mesmo assistirmos uma presidente – Dilma Rousseff – que se considera de esquerda vetar sistematicamente políticas em relação aos gays, lésbicas e trângeneros, enquanto que no Chile, onde Daniel Zamudio foi brutalmente assassinado, um presidente de direita – Sebastián Piñera – se esforça pessoalmente para que a lei anti-homofobia seja aprovada o mais rápido possível em seu país, apesar de ainda estar em trâmite no Congresso chileno.
De certa forma, as questões homossexuais ajudaram e ajudam a quebrar o esquematismo e o maniqueísmo que cerca uma maneira simplista de enxergar a política e a ideologia.