Algumas fotografias de Claudia Guimarães, expostas na Galeria Mezanino, em São Paulo, em um primeiro momento, podem nos lembrar Eugène Atget, o fotógrafo francês do começo do século 20, que tanto impressiona por suas imagens cheias da ausência do ser humano. Assim como Atget, Claudia comunica que através desse vazio teve um rastro, em algum momento homens por ali passaram, mas diferente do fotógrafo que prefere as (maravilhosas) generalizações documentais, ela trabalha com a questão da alteridade, isto é, um só existe porque existe o outro. A cadeira de praia existe por estar em sintonia com outra cadeira. A cama é de casal e não de solteiro.
Dois, em geral, é o número dos amantes, do diálogo, de uma primeira percepção de um certo “Eu” em nossa sociedade. Dessa maneira, temos um duplo movimento (e não é à toa que a questão do retrato é fundamental na estética de Claudia), o fotógrafo só existe a partir do retratado e o fotografado só é revelado no clique/olhar do fotógrafo. Se para existirmos, precisamos do outro socialmente e de certa forma de sua aceitação, entra outro objeto importante nas fotografias de Claudia: as máscaras.
A máscara, esse objeto que nos protege do outro assim como nos torna outro, é fundamental para o chamado convívio social. Nunca somos, no mundo contemporâneo, absolutamente autênticos e abertos, quem tenta esse movimento, além de sempre falhar em sua totalidade (sim, pode-se conseguir um pouco de autenticidade, mas nunca a plenitude), paga sempre um preço bem alto. As máscaras são necessárias em todas as áreas do convívio social, muitas vezes até conosco mesmo, em nossa autoimagem. E a fotos de Claudia colocam isso com muito humor.
Claudia, que já foi fotógrafa da Folha, e se envolveu de forma afetiva com a noite paulistana e seus personagens, muitas vezes é considerada discípula da fotógrafa norte-americana Nan Goldin. Sim, existe um certo naturalismo e espontaneidade, como bem diz Claudia sobre uma das marcas sólidas de sua fotografia assim como há em Nan Goldin esse mesmo princípio. Também existe um certo ambiente semelhante: uma turma, um grupo, assim como uma certa cor. Mas isto é superficial, enquanto Nan trabalha mais profundamente na questão documental e da memória, Claudia dá dignidade às máscaras.
Não existe nada de ingênuo ou apelativo em muito de seus trabalhos termos uma forte presença de travestis, transexuais e drag queens: homens biológicos que se “mascaram” de mulher por sentirem que a sua verdade pertence ao terreno da feminilidade. Nesse momento, as máscaras não estão em nome da proteção e do simulacro e sim da dignidade e da verdade mais profunda.
Não existe retrato mais digno da histórica travesti Andréia de Maio que este feito por Claudia. Assim como suas drags escapam de todo e qualquer exotismo. Léia Bastos nunca foi tão verdadeira em sua essência como nesse retrato que a maquiagem/máscara revela e não esconde a mulher que realmente nela existe, mesmo com seu corpo masculino à mostra.
Essa ética evidenciada pelas imagens da fotógrafa mostra acima de tudo que não são as máscaras o problema e sim como realmente as usamos em relação ao outro. E, no caso das fotografias de Claudia Guimarães, uma lição de nobreza.
Todas as fotos pertencem a Claudia Guimarães e foram cedidas para o blog.